sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Centro de Reflexão Cristã: 40 anos de uma varanda aberta sobre o mundo




Ilustração de Ana Oliveira Martins Ruepp


Amanhã, sábado, o Centro de Reflexão Cristã (CRC), de Lisboa, assinala os seus 40 anos de existência. Criado a 21 de Novembro de 1975, ano e meio após a Revolução que trouxe a democracia a Portugal, o CRC assinalará a data com um encontro aberto no Convento de São Domingos (R. João de Freitas Branco, 12, em Lisboa; Metro: Alto dos Moinhos), a partir das 10h30.
A abrir a iniciativa, uma conferência de frei Bento Domingues sobre o tema CRC – do passado recordado e do presente compreendido, providencia-se o futuro. Às 12h, há celebração da eucaristia. Às 14h30, serão evocados os sócios fundadores e, meia hora depois, José Mattoso, Guilherme d’Oliveira Martins e João Miguel Almeida debatem o tema CRC – passado presente e futuro. (O almoço, servido no local, terá um custo de dez euros e a inscrição deve ser feita para o telefone 961 560 924.)
 O CRC foi criado num tempo em que o país vivia atordoado com uma Revolução em regime acelerado e a Igreja Católica estava envergonhada por algum do seu passado. Um grupo de cristãos – católicos, mas também alguns protestantes – resolveu descruzar os braços e criar um centro de reflexão que se abrisse ao debate teológico “plural diante das realidades do mundo”. Que, com o tempo, se tornou “uma varanda aberta sobre o mundo”, na expressão do então bispo de Setúbal, D. Manuel Martins.
Estava criado o Centro de Reflexão Cristã (CRC), de Lisboa, uma instância que começou por reunir 79 sócios fundadores, entre pessoas individuais e colectivas. E que se destinava, segundo a linguagem da época adoptada pelos estatutos, “ao estudo da teologia para o crescimento da fé cristã, ao serviço da evangelização e da libertação do povo português”.
Havia um “denominador comum: a concepção de Igreja” dos fundadores, onde a “liberdade, a reflexão plural, a capacidade de escuta dos sinais dos tempos e os apelos do mundo” eram critérios-chave para a definição do que se pretendia.

“Era a afirmação de uma consciência de leigos que queriam assumir a sua responsabilidade por um novo rosto de Igreja, com o objectivo de promover uma reflexão aberta sobre o mundo”, como dizia, na ocasião dos 20 anos, Manuela Silva, uma das fundadoras e integrantes da direcção do CRC oito anos.
Na fase de abertura e transição para a democracia que então se vivia no país, o CRC constituiu também um espaço que aglutinou diversas correntes da oposição católica ao regime. Um factor não determinante, mas que “aconteceu”, dizia Manuela Silva, até porque não havia instituições que fizessem o que o novo Centro se propunha.
O Instituto Superior de Estudos Teológicos (ISET), que estivera sob a responsabilidade dos padres dominicanos, fora extinto depois de uma história conflituosa e atribulada e o CRC propunha-se, de algum modo, substituí-lo.
O CRC tornou-se conhecido fundamentalmente pela publicação da revista Reflexão Cristã e pela realização das Conferências de Maio. Uma e outras (a revista desde o início, as Conferências anualmente, desde 1978), têm reunido vultos da vida social, política, económica e cultural a debater temas tão diversos como os cristãos e a austeridade, a moral cristã e a moral burguesa, o prazer e o sofrimento, as prisões e a reinserção social, a morte, a corrida ao desarmamento, a crise da família, as seitas, a maçonaria, o fascínio da imagem, as mulheres na Igreja, as minorias étnicas, a Igreja e a política, a educação e a exclusão.
O CRC organizou ainda uma série de grupos temáticos – história da Igreja, mulheres, ética e ciências da vida, entre outros – e publicou os Cadernos de Estudos Africanos.
Na História Religiosa de Portugal (ed. Círculo de Leitores), o historiador Paulo Fontes cita um texto de apresentação do dominicano frei Bento Domingues: “Unia-os o facto de serem ‘pessoas que reconhecem não apenas de forma genérica a importância da teologia na vida da Igreja, mas que sentem a necessidade de a praticar para se tornarem cristãos lúcidos e membros activos da Igreja.”
Na passagem dos 30 anos, o CRC editou um número duplo da revista Reflexão Cristã, onde se incluem artigos sobre a presença cristã nas cidades e no espaço público, sobre a exclusão social e sobre o consumismo e a solidariedade. Um outro artigo evoca a figura do teólogo dominicano Yves Congar, um dos peritos mais importantes do Concílio Vaticano II.
“A seriedade e perseverança do projecto” verifica-se através da publicação da revista, assinala Paulo Fontes no texto citado. Mas o CRC destacou-se também pela edição de várias obras temáticas (sobre temas como as mulheres na Igreja ou aspectos da história do catolicismo em Portugal) e dos Cadernos de Estudos Africanos, que “constituem fontes imprescindíveis” para o estudo do debate cristão em Portugal durante estes anos.


(O texto retoma alguns excertos de artigos que escrevi no Público a 21 de Novembro de 1995 e 2 de Dezembro de 2005, por ocasião da celebração dos 20º e 30º aniversários do CRC)

Sobre o CRC podem ver-se ainda os dois vídeos seguintes (no segundo caso, a partir dos 4'04")




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