quinta-feira, 25 de julho de 2013

Papa Francisco acrescenta mais água no feijão


(foto: o Papa Francisco na Varginha; foto reproduzida daqui)

Queria bater a cada porta, pedir um copo de água fresca, beber um cafezinho mas não um copo de cachaça. Foi desse modo que o Papa Francisco se dirigiu a mais de 30 mil pessoas que o escutaram na favela da Varginha, em Manguinhos (Rio de Janeiro), na tarde de hoje.
Em pouco mais de uma hora, o Papa saudou e conversou com muitas pessoas, esteve quase dez minutos em casa de uma família, fez um enorme elogio à generosidade dos mais pobres, um apelo à mudança das estruturas sociais e à redução da miséria e um desafio aos jovens a que mantenham viva a esperança de que a realidade pode ser melhor.
Começando por ouvir um clamoroso “bom dia” (a visita decorreu ao final da manhã, hora local), o Papa disse ainda que os pobres podem dar uma “grande lição de solidariedade” – palavra que, acrescentou, é “frequentemente esquecida e desprezada, porque é incómoda”
O Papa Francisco acrescentou que, quando as pessoas são generosas, são capazes de partilhar algo com quem aparece, seja o acolhimento em casa, seja a comida. “Quando alguém precisa de comer e batem à vossa porta, sempre se pode colocar mais água no feijão”, acrescentou, citando o provérbio popular e arrancando risos e aplausos á multidão. Não se fica mais pobre quando se partilha, disse, pois “a verdadeira riqueza não está nas coisas, mas no coração”. O texto completo do discurso pode ser lido aqui.
A visita, que decorreu sempre sob chuva, foi muito calorosa. Havia famílias que tinham testemunhado ter café preparado para oferecer ao Papa Bergoglio – e até uma feijoada, como noticiou a Renascença. A favela (uma das mais de 170 recenseadas no Rio de Janeiro, onde vive um quinto da população da cidade) saiu em peso para acolher Francisco. Todos queriam saudar o Papa, havia mesmo quem literalmente se atirasse por cima dos cordões de segurança para o cumprimentar. Em momentos diferentes, Bergoglio recebeu um cachecol do San Lorenzo, a sua equipa de futebol, e duas t-shirts de oferta, que colocou diante de si, como quem experimentava o tamanho. Depois desse passeio lento pelas ruas da favela, e antes do discurso que fez, o Papa deteve-se dez minutos numa das casas.
Já no campo de futebol literalmente apinhado, o jovem que saudou Francisco começou por dizer que este dia marcaria as vidas “para sempre”. Pediu depois para quebrar o protocolo e tratar o Papa por “pai”. E disse-lhe: “A sua história é estar do lado dos marginalizados. “Todas as periferias olham e se identificam com o ministério que o senhor, pai Francisco, continua a exercer indo ao encontro dos que são invisíveis para a sociedade. Obrigado, pelo testemunho e amor”.
Rangler dos Santos Irineu, que falava acompanhado de sua mulher, Joana Alves de Souza Carvalho, disse que todas as comunidades de favelas do Rio estavam ali representadas. No bairro, acrescentou, há muita gente que já assistiu a confrontos armados. “Não fazemos parte das reportagens dos jornais – ou melhor, das colunas sociais; só das reportagens de tragédias”, afirmou. Mas os jovens que vivem no bairro “lutam por um mundo melhor, com mais estudos e trabalho digno”, disse ainda.
“Somos pobres, esquecidos, mas mesmo longe dos holofotes permanecemos unidos”, acrescentou, para referir que, na preparação da visita do Papa, “houve coisas que mudaram” no bairro. “Esperamos que agora não levem essas coisas”, acrescentou.
No seu discurso, o Papa fez um “apelo a todos os que possuem mais recursos, às autoridades públicas e às pessoas de boa vontade: não se cansem de trabalhar por um mundo mais justo e mais solidário.” E acrescentou: “Ninguém pode permanecer insensível às desigualdades que existem no mundo. Cada um, na medida das próprias possibilidades e responsabilidades, saiba dar a sua contribuição para acabar com tantas injustiças sociais."
“Não é a cultura do egoísmo, do individualismo que constrói um mundo mais habitável, mas sim a cultura da solidariedade – não ver no outro um concorrente, um numero, mas um irmão. E todos nós somos irmãos”, disse ainda o Papa, que era frequentemente aplaudido pela multidão.
Referindo-se indirectamente às operações de “pacificação” das favelas do Rio de Janeiro, Francisco acrescentou que “nenhum esforço de pacificação será duradouro” se uma sociedade deixar uma parte de si mesma na periferia. “Não deixemos que se instale no nosso coração a cultura do descartável, porque nós somos irmãos, ninguém é descartável”, afirmou.
O Papa acrescentou ainda que “a medida de grandeza de uma sociedade é dada pelo modo como trata os mais marginalizados” e que a Igreja é “defensora dos pobres diante das intoleráveis desigualdades”. E referiu ainda que um verdadeiro desenvolvimento deve incluir a promoção da família, a educação, a saúde, o bem-estar integral da pessoa e a segurança, “na condição de que a violência só pode ser vencida a partir da mudança do coração humano”.

E terminou com um apelo à esperança: “Aqui, como em todo o Brasil, há muitos jovens”, com uma sensibilidade especial à injustiça, que muitas vezes se desiludem com o que vêem. “Nunca desanimem, não percam a confiança, não deixem que se apague a esperança; a realidade pode mudar, o homem pode mudar, procurem ser vocês a não se acostumar ao mal mas a fazer o bem”, pediu.

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