sexta-feira, 31 de maio de 2013

Joaquim Franco distinguido por reflexão sobre o fenómeno religioso no mundo contemporâneo

O jornalista e investigador em Ciência das Religiões Joaquim Franco, um dos autores deste blogue, venceu o Prémio “Consciência e Liberdade 2013”, atribuído pela Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (AIDLR) a trabalhos sobre a liberdade religiosa na lusofonia”. O júri considerou que o ensaio, intitulado Da liberdade religiosa à urgência do diálogo – a experiência contemporânea, faz uma “reflexão fundamentada e original sobre a importância do fenómeno religioso no mundo contemporâneo”. A cerimónia de entrega do prémio realizou-se na Universidade Lusófona, em Lisboa, no dia 28 de Maio. Excertos da intervenção do premiado:

(...) [Na comunicação social, o fenómeno religioso] Merece ter gente preocupada com a especialização e o aprofundamento, o conhecimento e a actualização, como acontece noutras áreas. Não apenas para a tão necessária e difícil descodificação das linguagens e dos contextos, mas para o seu real enquadramento na dimensão humana.
De facto, alguns acontecimentos só ganham relevância com ampliação mediática. Mas há também quem aproveite a lógica da comunicação global para dar a determinado acontecimento a relevância que, na realidade, não tem.
Foram os casos das “caricaturas” de Maomé em 2005 publicadas num jornal dinamarquês e replicadas por outras publicações, ou de um excerto do discurso do papa Bento XVI na Universidade de Ratisbona, um ano depois. (...)
Os muçulmanos na Europa estão entre um indisfarçado preconceito nas ruas e o radicalismo contagioso que persiste nas comunidades. Por um lado, são pressionados a revelar lealdade para com a cultura ocidental, provando que a religião islâmica é pacífica. Por outro, são vítimas da incompreensão e dos estereótipos que alimentam os radicais de uma tradição bélica e hegemónica. O problema tem uma caracterização cultural, com uma “confrontação” entre tradições e comportamentos também de influência religiosa. 
Multiplicam-se as vozes que sustentam a tese de uma islamização em curso, resultado de uma atitude política passiva por parte da Europa. Ao não o enfrentarem com um debate sério e medidas concretas, os poderes públicos e políticos abrem espaço a medos desnecessários e manipuláveis.
A pressão sobre as democracias é cada vez maior, agravada por uma recessão económica. Definitivamente, a Europa anda assustada. E o binómio imigração/religião tem sido manipulável. Perigosamente manipulável.
Por outro lado, há cada vez mais sinais de uma rejeição do património religioso que constitui a memória da Europa, excluindo a simbologia religiosa do espaço público e, por consequência, remetendo-a para o privado.
Estamos diante de novas formas de fundamentalismo anti-religioso, sob o pretexto de que a religião é motivo e fonte de discórdias, sem se admitir o potencial espiritual, relacional e comunitário das plataformas religiosas. (...)
Este tempo testemunha as primeiras gerações na Europa sem referências culturais religiosas, com a maioria dos comunicadores impreparados para compreender e descodificar o fenómeno religioso. E os protagonistas religiosos não conseguem – não terão como –, sintonizar-se com a assertividade e ultra-sintetização da linguagem mediática, recorrendo, muitas vezes, a clichés simplificados e pouco esclarecedores da complexidade religiosa.
Sendo o fenómeno religioso – entenda-se aqui num contexto alargado de fé, devoção e espiritualidade –, parte integrante e inseparável da identidade colectiva e individual, deixa marcas nas estruturas, formas e conteúdos de relação e pertença. Não só para os crentes, mas para o todo cultural que não pode ler-se sem esta dimensão - chamemos-lhe religiosa –, co-construtora e co-responsável pelos códigos de compreensão, sobretudo éticos, que nos trouxeram até aqui. (...)
Só depois de longos anos de estudo sobre a sua própria religião – cristianismo  –, Hans Kung encontrou os fundamentos teológicos para o que chama ethos mundial ou global, um “entendimento universal entre as religiões que deve ser ethos comum da humanidade, mas um ethos que não deverá substituir a religião – como às vezes se tem pensado” de forma errada.
Todos reparamos que, em ambiente de encontro, as religiões sustentam a crítica à utilização da religião para fazer a guerra. Valoriza-se a paz e a justiça. No actual contexto global, os valores religiosos e espirituais apresentam-se como prioritários e realçam a inevitabilidade da liberdade religiosa na defesa do “bem comum”.
Com o sofrimento e a injustiça no centro das reflexões, a promoção da paz e a defesa da “criação” como meta comum, as próprias estruturas religiosas podem reforçar uma ética culturalmente transversal, com consequências nos compromissos políticos e sociais na plataforma global.
Mas para tal, há que assumir a prioridade de derrubar barreiras, atenuar o desconhecido que agudiza medos, quebrar mitos mediáticos e construir confiança. Numa palavra… diálogo. Estabelecer pontes de diálogo. Com crentes e não crentes, absorvidos pela universalidade de uma ética emancipada, que, não sendo um valor absoluto ou exclusivamente religioso, é absolutamente carente de diálogo, em liberdade, sem prejuízo da observação preventiva e da crítica construtiva que assegura a convivência entre a fé e a razão.
Este é o percurso circular da reflexão: Da liberdade religiosa à urgência do diálogo que, por sua vez, garante a própria liberdade. (...)

(Foto: uma sala de meditação num centro comercial de Londres)

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