sábado, 27 de março de 2010

"Tens de ter força!"

Um dos problemas do cancro e de outras doenças debilitantes é o conselho que damos aos doentes: "Tens de ter força!". Não percebo este conselho que mais parece uma ordem. Que quer dizer? Que se deve criar mais força? Que se deve manter a pouca força com que se fica?

O cancro enfraquece - a fadiga do cancro é uma consequência inevitável. O cancro cansa. Reduz a força. Não tira a vontade de viver. Mas reduz a energia para fazer os sacrifícios que é preciso fazer para melhorar as hipóteses de sobreviver.

Os doentes sabem que têm de empregar as poucas forças que lhe restam, assim como sabem que ajuda ser-se positivo: que o estado psicológico influencia o aproveitamento clínico. Sabem. A sério. Não é preciso estar sempre a recomendar que tenham força e que sejam positivos.

É difícil para os doentes enfraquecidos que olham a morte de frente terem força e serem positivos. A tendência deles é para se sentirem tão fracos como estão e tão negativos como se sentem. Como os conselhos, apesar de parecerem ordens nazis, comandando os coxos a correr maratonas, são bem-intencionados e amigos, não podem ser ocos. São estúpidos, mas devem dizer alguma coisa.

Acho que, no fundo, apelam a eles próprios. São os fortes à volta do fraco que têm de usar a força deles para ajudá-lo. São os capazes de ser positivos que têm de animá-lo.

Afinal são auto-exortações. Parecem conselhos amigos, que ficam por ali. Mas são incumbências que só a nós dizem respeito.


Miguel Esteves Cardoso, Público, 27.3.2010

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