sábado, 4 de julho de 2009

O não crente e o cardeal

Anselmo Borges escreve hoje no DN sobre uma entrevista de Eugenio Scalfari ao cardeal Martini (na foto). Um bálsamo. Entre outros aspectos a que a lucidez de Martini já nos habituou, há muito tempo que penso que a estrutura diplomática vaticana deveria ser reduzida ao mínimo ou mesmo ser extinta. O cardeal diz expressamente que ela nem sempre existiu e "poderia no futuro ser fortemente reduzida ou mesmo desmantelada". O texto completo do artigo está na ligação acima, aqui destaco mais alguns excertos:

Scalfari, cujo último livro é L'uomo che non credeva in Dio (O homem que não acreditava em Deus), disse ao cardeal que não crê em Deus e que o diz "com plena tranquilidade de espírito". E o cardeal: "Eu sei, mas não estou preocupado por causa de si. Por vezes, os não crentes estão mais próximos de nós do que muitos devotos fingidos".

Então, o que é que o preocupa verdadeiramente, quais são, na Igreja, os problemas mais importantes? Resposta: "Antes de mais, a atitude da Igreja para com os divorciados, depois, a nomeação ou a eleição dos bispos, o celibato dos padres, o papel do laicado católico, as relações entre a hierarquia eclesiástica e a política. Parecem-lhe problemas de solução fácil?"

A nossa sociedade está cada vez mais invadida pela indiferença e são o individualismo e a procura exacerbada dos próprios interesses que cavam fundo o abismo entre a fé e a caridade. Talvez ainda se vá uma ou outra vez à missa e se ponha os filhos em contacto com os sacramentos. Mas esquece-se o essencial: a caridade. Ora, "sem caridade, a fé é cega. Sem a caridade, não há esperança nem justiça". Entenda-se: a caridade não é esmola, é atenção ao outro, compreensão e reconhecimento do outro, presença ao outro na sua solidão, "comunhão de espíritos, luta contra a injustiça". O verdadeiro pecado do mundo é a injustiça e a desigualdade, que bradam aos céus. Jesus disse que "o reino de Deus será dos pobres, dos débeis, dos excluídos".

Para Martini, a questão fundamental não está na escassa frequência dos sacramentos, da missa, das vocações, que são "aspectos externos". "A substância é a caridade, a visão do bem comum e da felicidade comum", incluindo a das gerações futuras.

1 comentário:

José Mattoso disse...

Se nos próximos dez anos surgissem mais 15 ou 20 cardeais Martini, a Igreja poderia ser um motivo de esperança para a nossa sociedade em crise. Mas ela criou mecanismos tais de controlo que dificilmente se acreditará nessa eventualidade. É por isso que ela relega a salvação para o outro mundo? José Mattoso