sábado, 7 de dezembro de 2002

Intitulado "Religião, verdade e Paz", João A. Pinheiro Teixeira, padre da diocese de Lamego, escreve um artigo no "Expresso", de que respigo:
Quer-me parecer, por isso, que, na hora presente, os textos conciliares requerem não só uma cuidada análise semântica, mas acima de tudo uma cada vez mais indispensável hermenêutica existencial. Penso concretamente numa questão muito sensível, que a tragédia de 11 de Setembro de 2001 trouxe para a ordem do dia. Trata-se da relação entre religião e verdade, cuja afinidade dificilmente alguém contestará, mas que, não raramente, configura uma mistura explosiva e ameaçadora. É que não falta quem olhe prevalentemente para a verdade a partir da sua religião, julgando-se por isso depositário da sua fórmula definitiva e da sua versão final. O que falta é que cada um olhe para a sua religião a partir da verdade, investindo todas as energias na sua procura contínua e no seu acolhimento incessante.
Regra geral, quem presume possuir a verdade, tende a impô-la. A sua estratégia é violenta e a sua pose autista e arrogante. Quem, pelo contrário, persiste na sua busca, visa sobretudo encontrá-la e o anunciá-la. A sua conduta é pacífica e a sua atitude humilde e despojada.
Nesta luta sem tréguas, entre uma globalização sufocante e um sem-número de identidades reprimidas, a repetida evocação do divino parece radicalizar a tese de Samuel Huntington: «A religião é a diferença mais profunda que existe entre os povos».
É bom de ver que o problema não está na diferença, mas no modo como se tem lidado com a diferença. Isto é, no facto de ela ser encarada não como alicerce para a coexistência, mas como bissectriz separadora entre grupos, etnias e civilizações.
Não admira pois, que, nas vias que se perfilam para a resolução da actual crise internacional, só a paz pareça proscrita. O mais intrigante é que, entre os que praticam a agressão violenta e os que propugnam uma defesa beligerante, há quem alegue inspirar-se em mundividências de índole religiosa.
Perante tal quadro, o exame é inevitável e a pergunta obrigatória: que resposta tem sido a dos católicos ao apelo da «Gaudium et Spes» para que se «interdite absolutamente qualquer espécie de guerra» (nº82), incluindo, como é óbvio, a guerra em nome de Deus?
A verdade, de que todas as religiões se afirmam portadoras, não conflitua com o respeito por quem pensa - e sente - diversamente de nós. Já Maomé exortava: «Nenhum de vós é um crente até quererdes para o vosso vizinho aquilo que quereis para vós».
Sucede que o contencioso com a verdade tem mais a ver com a presunção de posse do que com a própria negação. É que a verdade encontra-se sobretudo do lado da busca. Eis, portanto e em síntese, o drama da nossa era: a verdade tem muitos «proprietários» e poucos «buscadores».
Se empreendêssemos mais na busca, daríamos conta que uma das dimensões mais surpreendentes da verdade - mas também mais esquecidas - é de ordem iconográfica, aquela que nos permite perceber que em cada homem se encontra esculpida a imagem de Deus.
Qualquer atentado contra seres humanos representa assim um crime de lesa-divindade e, nessa medida, de lesa-verdade. Esta, lembra o nº1 da declaração conciliar sobre a liberdade religiosa, «não se impõe de outro modo a não ser pela sua própria força, que penetra nos espíritos de modo ao mesmo tempo suave e forte».
Concretizando, enquanto pensarmos que a verdade se transmite pela força, dificilmente daremos atenção à intrínseca força da verdade. Que, ainda por cima, é de uma argúcia desconcertante. E de uma serenidade insuperavelmente convincente.

1 comentário:

Anónimo disse...

necessario verificar:)