sábado, 31 de outubro de 2015

Do “nem sim nem não” do Sínodo dos Bispos à saúde e à morte como último tabu

Crónicas

No suplemento Igreja Viva, do Diário do Minho, Paulo Terroso faz um primeiro balando do Sínodo dos Bispos, concluído Domingo passado no Vaticano. Sob o título Nem sim, nem não. Caso a caso, escreve:

Cinco dias passados da conclusão do Sínodo da família, já todos percebemos que não ficou tudo igual nem tudo na mesma. Mesmo com todas as tentativas confrangedoras, diga-se de passagem, de minimizar o significado e o alcance do documento final. A aprovação dos parágrafos 84, 85 e 86, que dizem respeito ao discernimento e integração dos divorciados recasados, caso a caso, com a maioria qualificada de dois terços, foi rapidamente alvo de desqualificação por uma minoria, essa sim, supostamente qualificada. A desvalorização do êxito da votação final é fácil de explicar e de entender. Não há empate técnico que salve a face de quem entrou na lógica de vencedores e vencidos ou da famigerada metáfora do sínodo como se de um jogo de futebol se tratasse. Já para não falar de algumas crónicas pejadas de ironia corrosiva de fazer corar qualquer pessoa com um mínimo de bom senso e que tinham como alvo famílias feridas pelo divórcio.


Também Fernando Calado Rodrigues faz uma avaliação do que ocorreu no Sínodo, no texto com o título Nas mãos do Papa, publicado esta sexta-feira no CM:

Tal como se previa desde o início, o Sínodo não conseguiu encontrar “soluções exaustivas para todas as dificuldades e dúvidas que desafiam e ameaçam a família”, como reconheceu o Papa Francisco no encerramento dos trabalhos. Mas, mesmo assim, permitiu que fossem abordadas “sem medo e sem esconder a cabeça na areia”. Ficou claro que não haverá substanciais mudanças doutrinais, mas a linguagem e a práxis pastoral terá de se adequar às circunstâncias particularmente difíceis das famílias de hoje.

(No dia 23, Calado Rodrigues escrevera sobre a cultura e as missões, a propósito da Semana Missionária; no dia 16, o tema tinha sido A Igreja e as eleições.)


Anselmo Borges falara também do Sínodo (e de outros temas) na crónica da semana passada, no DN, com o título Cisma e debandada na Igreja:

Impõe-se um esforço de renovação em todos estes domínios de "cisma prático". Caso contrário, continuará a "debandada" na Igreja, para usar a palavra de Francisco aos bispos portugueses.

(No dia 17, Anselmo Borges escrevera sobre Religião, política e saúde; hoje, o título é A morte: o último tabu:

É bem possível que, para se perceber uma sociedade, mais importante do que saber como é que nela se vive é saber como é que nela se morre e se trata a morte. Facto é que as nossas sociedades desenvolvidas, tecnocientíficas, do primado do ter sobre o ser, da eficácia, da vertigem do poder, do tempo digital e da aceleração, são as primeiras na história a fazer da morte tabu. Mais: assentam a sua realidade no tabu; para serem o que são, têm de fazer da morte tabu.

Anterior comentário sobre o Sínodo publicado no blogue



quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O psicodrama, a palavra e a fé de Lutero


Agenda/Livro

Nesta sexta-feira, dia 30, às 18h30, o padre franciscano e biblista Joaquim Carreira das Neves irá estar numa conversa a propósito do seu livro Lutero – Palavra e Fé. O encontro decorre na sede da Liga Evangélica (R. Raul Mesnier Du Ponsard 7-D, perto do Hospital Pulido Valente e da Alameda das Linha de Torres, em Lisboa; metro: Quinta das Conchas, linha amarela).
Joaquim Carreira andou dois anos a ler as obras de Lutero e, no final perguntou-se: Como é que vivi a minha vida de biblista e teólogo sem ler repousada e reflexivamente as obras de Lutero? Com essa pergunta partiu para a escrita deste livro. Que não é uma biografia, nem um estudo das obras de Lutero, nem uma explicação da teologia do reformador. Antes, Carreira das Neves pretende dar a palavra a Lutero, fazendo uma espécie de biografia comentada, através dos elementos históricos disponíveis, pelos humanistas do século XVI e pela obra do próprio Lutero.
Carreira das Neves lê a história de Lutero em chave de psicodrama pessoal. Nesse sentido, a história da sua vida, da sua obra, dos debates com Erasmo ou da sua impiedosa condenação da revolta dos camponeses, por exemplo, são lidas e contadas de forma dinâmica. Por vezes, mesmo, Carreira das Neves chega a encetar com o iniciador da Reforma um diálogo fraternal e crítico, como se estivesse num debate público: Desculpa, meu caro Lutero, mas neste ponto vais longe de mais!
O autor confessa ainda ter recebido um impacto importante da afirmação do grande teólogo Yves Congar, segundo o qual Lutero é um dos maiores génios religiosos de toda a história, no mesmo plano de Santo Agostinho, Tomás de Aquino e Pascal. Congar acrescentava: Posso afirmar que ainda é maior. Ele repensou todo o cristianismo. Ofereceu-nos uma nova síntese, uma nova interpretação.
Regressar a Lutero é regressar a Jesus Cristo, a São Paulo, aos Evangelhos, à história dos Padres da Igreja, à Igreja como tal, escreve Carreira das Neves. Por isso, este livro sobre a palavra e a fé do reformador é imprescindível para conhecer a sua vida e perceber tantos debates que ainda hoje estão presentes no interior do cristianismo.

(Os quatro parágrafos sobre o livro reproduzem um texto que publiquei na revista Mensageiro de Santo António, em Maio de 2014) 

Lutero, Palavra e Fé
Autor: Joaquim Carreira das Neves

Ed. Presença

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Sínodo sobre a Família: E agora, a vez do Papa

Comentário

Para que serviu este Sínodo? Depois de dois anos, uma grande auscultação de grupos e comunidades católicas do mundo inteiro e duas assembleias de bispos em Roma, é legítimo perguntar se valeu a pena. A resposta é uma dupla.
O Sínodo valeu, sobretudo, pela libertação da palavra pedida pelo Papa Francisco, pelo debate que o próprio processo exigiu e permitiu e pelo confronto público de opiniões, com cardeais e bispos sem medo de defender ideias diferentes.
Esse debate intenso e a aceitação da diversidade foram um grande passo, numa Igreja habituada a uma leitura monolítica da realidade. E ele fica a dever-se muito à forma como o Papa Francisco faz as propostas e é consequente com elas. E pelo facto de ele estar aberto mesmo a críticas - desde que feitas com verdade e não escondidas sob anonimatos ou mentiras, como aconteceu nestas três semanas -, as pessoas percebem que têm nele um líder que é autêntico com o que diz e faz.
(o texto pode continuar a ser lido aqui)

Texto anterior no blogue
Papa quer Igreja compassiva, que não seja surda à realidade - uma síntese das conclusões do Sínodo sobre a família



Papa quer Igreja compassiva, que não seja surda à realidade

Sínodo sobre a família: entreaberta a porta para bispos decidirem caso a caso sobre as situações de ruptura matrimonial 


Foto Ricardo Perna/Família Cristã (reproduzida daqui)

O Papa Francisco diz que é tempo de a Igreja ser compassiva e ter misericórdia. E, perante as necessidades e a realidade vivida pelas pessoas, os católicos, e de modo especial os bispos, não devem ser surdos: “Uma fé que não sabe radicar-se na vida das pessoas permanece árida e, em vez de oásis, cria outros desertos”.
Na homilia da missa conclusiva do Sínodo dos Bispos, que desde dia 4 debateu no Vaticano os desafios colocados pela realidade da família ao catolicismo, o Papa não se referiu directamente aos temas tratados na assembleia, mas não deixou de apontar critérios para a actuação dos responsáveis da Igreja.
“Podemos caminhar através dos desertos da humanidade não vendo aquilo que realmente existe, mas o que nós gostaríamos de ver”, afirmou Francisco. Para acrescentar: “Somos capazes de construir visões do mundo, mas não aceitamos aquilo que o Senhor nos coloca diante dos olhos.”
O documento final do Sínodo, com 94 pontos que, na véspera, foram aprovados todos por maioria qualificada, reflecte a tensão entre o desejo do Papa em debater essa realidade e aquilo que, para já, a hierarquia católica foi (ou não) capaz de fazer: tímidas aberturas na questão dos divorciados que voltaram a casar, doutrina inamovível sobre a contracepção ou a homossexualidade, afirmações contundentes sobre as dificuldades económicas e sociais vividas por muitas famílias...

Consenso ainda difícil

O acesso dos divorciados recasados à comunhão foi um dos temas que dominou os últimos dias de trabalho. E foi aquele onde o consenso apareceu mais difícil: os três pontos sobre o assunto foram aprovados também por maioria qualificada de dois terços (eram necessários pelo menos 177 votos), mas à tangente.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Sínodo: "A imagem viva duma Igreja que não usa formulários preparados por antecipação"

   
 
     No final dos trabalhos sinodais, o Papa Francisco fez uma alocução que constitui uma leitura relevante daquilo que lá ocorreu.
     Procurou responder a uma interrogação que lhe foi surgindo ao longo das três semanas de debates e reflexões: "Que poderá significar para a Igreja encerar este Sínodo da Família?".
     As respostas são diversas, como podemos ver de seguida:

     " (...) Significa que solicitámos a todos que compreendam a importância da instituição da família e do Matrimónio entre homem e mulher, fundado sobre a unidade e a indissolubilidade e a apreciá-la como base fundamental da sociedade e da vida humana.

     Significa que escutámos e fizemos escutar as vozes das famílias e dos pastores da Igreja que vieram a Roma carregando sobre os ombros os fardos e as esperanças, as riquezas e os desafios das famílias do mundo inteiro.

     Significa que demos provas da vitalidade da Igreja Católica, que não tem medo de abalar as consciências anestesiadas ou sujar as mãos discutindo, animada e francamente, sobre a família.

     Significa que procurámos olhar e ler a realidade, melhor dito as realidades, de hoje com os olhos de Deus, para acender e iluminar, com a chama da fé, os corações dos homens, num período histórico de desânimo e de crise social, económica, moral e de prevalecente negatividade.

     Significa que testemunhámos a todos que o Evangelho continua a ser, para a Igreja, a fonte viva de novidade eterna, contra aqueles que querem «endoutriná-lo» como pedras mortas para as jogar contra os outros.

     Significa também que pusemos a nu os corações fechados que, frequentemente, se escondem mesmo por detrás dos ensinamentos da Igreja ou das boas intenções para se sentarem na cátedra de Moisés e julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas.

     Significa que afirmámos que a Igreja é Igreja dos pobres em espírito e dos pecadores à procura do perdão e não apenas dos justos e dos santos, ou melhor dos justos e dos santos quando se sentem pobres e pecadores.

     Significa que procurámos abrir os horizontes para superar toda a hermenêutica de conspiração ou perspectiva fechada, para defender e difundir a liberdade dos filhos de Deus, para transmitir a beleza da Novidade cristã, por vezes coberta pela ferrugem duma linguagem arcaica ou simplesmente incompreensível.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Arquitectura para uma Igreja serva e pobre

Agenda


No próximo sábado, a sede nacional da Ordem dos Arquitectos acolhe a jornada Liturgia, arte e arquitectura, dedicada ao tema Arquitectura para uma “Igreja pobre e servidora”.
“Os arquitectos são os primeiros responsáveis pela definição da identidade formal de uma igreja, mas esta é também determinada e muito por quem a promove, assim saiba programar e definir objectivos”, lê-se no texto de apresentação da iniciativa. “Se hoje muito se pratica uma arquitectura-espetáculo, é bom que as novas igrejas, pelo contrário, assumam outra linguagem e se apresentem humildemente como arquitectura de serviço e acolhimento. Assim, a arquitectura que recebe ‘aqueles que se reúnem em Seu nome’ deverá ser reconhecida, já não pela ostentação que outros tempos atribuíram à ‘Casa de Deus’, mas pela simplicidade da casa de oração da comunidade cristã.”
O mesmo texto acrescenta:
“Em 1962, os Padres Conciliares, numa mensagem dirigida à Humanidade na abertura do Concílio Vaticano II, afirmaram: ‘Não é verdade que por estarmos ligados a Cristo estamos dispensados das tarefas e obrigações terrenas. Pelo contrário, a Fé, a Esperança e o Amor de Cristo levam-nos a servir os nossos irmãos, e assim seguimos o exemplo do Divino Mestre, que «veio para servir e não para ser servido“ (Mt20, 28). Deste modo, também a Igreja não nasceu para dominar mas para servir.’

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Uma petição ao Papa em favor da comunhão para os divorciados que voltaram a casar

Uma petição assinada por vários teólogos espanhóis prestigiados pede ao Sínodo dos Bispos e ao Papa que os divorciados recasados possam ser aceites à comunhão, argumentando que, desse modo, a Igreja estará a ser fiel ao espírito do Evangelho. A petição, que pode ser lida aquiapresenta um conjunto de razões bíblicas e antropológicas, destinando-se a ser assinada por quem com ela concordar. 

No texto, agradece-se ao Papa os seus esforços “no meio de resistências tão cruéis, para dar à Igreja um rosto mais conforme com o Evangelho e com o que Jesus merece”, num caminho de uma “misericórdia exigente”.

O primeiro ponto da petição recorda:
Na Palestina do século I, as palavras de Jesus diziam directamente respeito ao marido que atraiçoa e abandona a sua mulher, porque gosta mais de outra ou por motivos deste género. Portanto, são em primeiro lugar uma defesa da mulher. Aí, sim, a frase do Mestre é sem apelo: “Não separe o homem o que Deus uniu”.
No tempo de Jesus, não se conhecia a situação de um casamento que (talvez por culpa dos dois ou por uma incompatibilidade de modos de ser, não descoberta antes), fracassa no seu projecto de casal. Dada a situação da mulher em relação ao marido, na Palestina do século I, essa hipótese era impensável. E aplicar as palavras de Jesus a uma situação desconhecida no seu tempo, quando o que há não é o abandono de uma parte, mas um fracasso dos dois, poderia equivaler a desfigurar essas palavras. Estaríamos assim a manipular Jesus no altar da própria segurança dogmática e a pôr a letra que mata acima do espírito que dá vida, contra o conselho de São Paulo.


O texto integral pode ser lido na ligação antes referida, onde também está disponível um campo para que cada pessoa possa assinar a petição, se assim o entender.

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