terça-feira, 7 de abril de 2015

Páscoa, sistema financeiro e cristãos do Médio Oriente

O tempo de Páscoa dominou as crónicas de fim-de-semana, a partir de diferentes perspectivas. No DN de sábado, Anselmo Borges escrevia, sob o título É em Sábado que vivemos:

Aparentemente, no horror daquela Sexta-Feira Santa, foi o fim. Mas, lentamente, reflectindo sobre a experiência que Jesus fez de Deus, sobre o modo como viveu, como agiu, como morreu, os discípulos fizeram a experiência avassaladora de que o Deus-amor, a quem Jesus se dirigia como Abbá, Pai-Mãe querido, não o abandonou nem sequer na morte. Jesus não morreu para o nada, mas para Deus. Na morte, não encontrou o nada, mas a plenitude da vida de Deus.
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Vítor Gonçalves, com A corrida pascal, comentava deste modo os textos da liturgia católica de domingo de Páscoa:

A Páscoa de Jesus desinstala-nos e “despantufa-nos” das rotinas e da preguiça. E também desfaz o medo, esse um autêntico “colesterol mau”, a entupir as artérias e veias por onde quer correr o sangue da vida abundante de Deus. Sem a Páscoa tornamo-nos obesos, cheios de mil e uma justificações para ficar no quentinho de uma “vidinha” religiosa, bem medida e suficiente, de livro de “Deve e Haver” que havemos de apresentar a Deus com saldo a nosso favor. Mas a “Igreja em saída”, de que tanto fala o Papa Francisco, pode comparar-se a esse dinamismo que convida à simplicidade de calçar uns ténis e vestir uns calções e percorrer os caminhos habituais ou desconhecidos com uma presença mais fraterna e disponível para o encontro com outros
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No Público de domingo, frei Bento Domingues escrevia sobre a Páscoa de muitas páscoas, terminando a evocar Pedro Meca, já aqui referido aquando da sua morte:

Entrou, aos 21 anos, em França, para a Ordem dos Pregadores. Viveu a partilha das múltiplas dimensões do Evangelho na cidade que o seu confrade e amigo (P. Blanquart) investigava e da qual, ele Pedro Meca, vivia a rua e a noite, a companhia dos “contrabandistas da esperança”, os marginalizados, com os quais morria e ressuscitava todos os dias. Para mim, dizia o Pedro, a rua não é um lugar de passagem, mas um lugar de vida que amo e que, desde sempre, me é familiar. Na rua, as noites escuras são mais escuras do que as dos místicos e quantas não são precisas para “uma só manhã” (H. Michaux)! Não se passa uma noite de Páscoa, confessa Pedro Meca, sem que eu não esteja num café ou na rua e, de repente, exclame: é a Páscoa!
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Sexta-feira, no CM, Fernando Calado Rodrigues escrevia sobre a Crítica ao sistema económico:


O Secretário de Estado do Vaticano e o Presidente do Senado Italiano uniram as suas vozes na crítica ao sistema económico vigente, que promove a exploração dos mais fracos e a promiscuidade ente a finança e o poder, durante a apresentação de um volume da revista italiana “Limes”, dedicada ao tema “Moeda e império” , na passada terça-feira em Roma.
O cardeal Parolin denunciou que “os grandes capitais tendem a financiar os poderes estabelecidos e as atividades mais rentáveis”, enquanto o povo se vê arredado do acesso ao crédito.
(texto integral aqui)


Na crónica Os dias da semana,  que mantém aos domingos no Diário do Minho, Eduardo Jorge Madureira escreveu, sob o título Eu sou um cristão do Oriente:

O mundo tem-se mostrado impassível perante o extermínio dos cristãos do Oriente. Um certo sentido das proporções ditaria que o vasto desinteresse pelo destino destas vítimas dos islamistas não contrastasse tanto com a compaixão e indignação que amplamente provocam, por exemplo, as notícias de maus-tratos de animais domésticos. Em Portugal, em favor dos cristãos do Oriente, quase só se escuta a voz da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre, que tem evocado a via-sacra que eles têm sido forçados a percorrer. Em França, controvérsias de interesse secundário opõem pessoas respeitáveis que não se entendem sobre o termo certo para classificar o que se está a passar. Genocídio, garantem uns. Erradicação, contrapõem outros, como se fosse preciso poupar palavras perante uma realidade que se tem imposto com tanta e tão continuada brutalidade.

“Os cristãos do Oriente vão desaparecer até que nem um só fique vivo?” A pergunta formulada pelo ensaísta e jornalista Jacques Julliard justificou um apelo para que o mundo trate de acabar com a perseguição generalizada que os islamistas movem aos cristãos do Oriente. O texto de Jacques Julliard contra “o genocídio cultural que está a ser cometido” foi assinado por gente muito diversa; por antigos primeiros-ministros de direita, como Alain Juppé, e de esquerda, como Michel Rocard; por cristãos, como o arcebispo de Angoulême, Claude Dagens, por judeus, como o filósofo Alain Finkielkraut, e por ateus, como o ensaísta Michel Onfray. O advogado Robert Badinter, antigo ministro da Justiça e presidente do Conselho Constitucional; o cineasta Claude Lanzmann, realizador de Shoah; e o historiador Pierre Nora encontram-se na lista de subscritores da petição.
O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, o socialista Laurent Fabius, tomou boa nota do apelo e foi, na penúltima sexta-feira, ao Conselho de Segurança da ONU denunciar com veemência o “verdadeiro genocídio a que se assiste, por causa do grupo terrorista Daesh [acrónimo do autoproclamado Estado Islâmico], que empurra para exílio, escraviza ou mata todos os que não pensam como eles, especialmente os cristãos”. Este “genocídio cultural”, segundo Laurent Fabius, deveria ser incluído na lista dos crimes contra a humanidade.
O escritor Jean d'Ormesson, autor do recém-publicado O mundo é uma coisa estranha, afinal (Editora Guerra & Paz), também se associou à petição de Jacques Julliard. Num texto publicado no diário Le Figaro no dia 5 de Março, lembrou que os problemas começaram no Iraque, onde a comunidade cristã, uma das mais antigas do mundo e ainda faladora do aramaico, a língua mais corrente no tempo de Jesus, foi frequentemente a principal vítima de perseguições violentas. Estas perseguições, recorda Jean d’Ormesson, não tardaram a estender-se à Síria, onde o Estado Islâmico se estabeleceu solidamente. No Egipto, na Líbia, no Médio-Oriente e em inúmeras regiões de África, os raptos, as violações, os assassinatos, as cenas de horror foram-se multiplicando.

Num texto intitulado “Salvar os cristãos do Oriente”, publicado na revista Marianne de 6 de Março, Jacques Julliard explica que, no mundo muçulmano, não há apenas a Al-Qaeda, o Daesh e o Boko Haram a perseguir os cristãos. Eles também são, frequentemente, vítimas de governos que não os protegem ou que os perseguem. As perseguições assumem gravidades variadas, podendo ir da discriminação nos empregos públicos até aos massacres, passando por toda a gama de procedimentos clássicos da barbárie: deslocamentos forçados de populações, agressões físicas, violações, raptos, detenções arbitrárias, destruição de igrejas e de outros lugares de culto e repressão feroz dos convertidos. “Estes horríveis crimes têm suscitado menos emoção do que a, legítima e necessária, que suscitou a destruição por membros do Estado Islâmico das estátuas e esculturas pré-islâmicas do Museu de Mossul”, constata Jacques Julliard, dando conta de uma perplexidade: “Como se a vida dos cristãos do Oriente fosse menos preciosa do que os tesouros artísticos da humanidade”.
Considerando que “é preciso salvar os cristãos do Oriente do extermínio”, o ensaísta e jornalista pede aos países muçulmanos que neguem aos perseguidores dos cristãos o direito a se reclamarem do Islão e ao Ocidente, que se reclama sempre e em toda a parte dos direitos do homem, que não abra uma excepção em relação a uma religião que foi e é maioritariamente a sua. O desafio não é de pouca monta. Estamos, diz Jacques Julliard, perante “uma questão que interpela a consciência universal”.

Recordando que, na Europa, na Ásia e em África, se registaram, desde há três quartos de século, inúmeras abominações, Jean d'Ormesson nota que os assassinos tentaram dissimular o mal que faziam. Mas nunca, como agora, o crime se apresentou como um espectáculo de uma tal violência. Perante esta vontade de erradicação do cristianismo pelo Estado Islâmico e os seus satélites, no conjunto de uma região do mundo, Jean d’Ormesson subscreve o pedido de Jacques Julliard para que termine a indiferença geral: “Fomos todos judeus alemães. Fomos todos dissidentes no tempo de Sakharov e de Soljenitsyne. Fomos todos Charlie. Hoje, devíamos todos ser cristãos do Oriente”.

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