sábado, 3 de janeiro de 2015

Taizé em Praga: seis sugestões para que os cristãos se coloquem sob o mesmo tecto


(oração com o irmão Aloïs, em Praga; foto reproduzida daqui)

Seis sugestões para que os cristãos se coloquem sobre o mesmo tecto. O irmão Aloïs, prior da comunidade monástica ecuménica de Taizé, apontou aos mais de 30 mil jovens que participaram, em Praga, no encontro europeu da “peregrinação de confiança através da terra”, meia dúzia de propostas que tentam romper atavismos e bloqueios no diálogo ecuménico.
Partindo de uma citação do livro de Isaías – “Vou levar os cegos por um caminho que não conhecem” – o irmão Aloïs afirmou, na meditação final do encontro, na noite de dia 1 de Janeiro: “Aceitemos avançar por um caminho que não conhecemos à partida (...) Confiemos no Espírito Santo para que ele nos leve por um caminho que não conhecemos. A sua inspiração prepara-nos para que nos tornemos autênticas testemunhas de comunhão.”
As sugestões (que podem ser lidas na íntegra aqui, onde também se transcrevem todas as meditações do irmão Aloïs durante o encontro) são uma autêntica revolução coperniciana no modo de ver e concretizar o diálogo ecuménico (mas, poderia dizer-se, também no modo de encarar a acção pastoral de cada comunidade, paróquia, movimento...). Elas incluem as propostas de rezar juntos em comunidades locais, intensificar a colaboração no estudo da Bíblia, no trabalho social e na catequese ou fazer da igreja principal de cada cidade uma casa de oração comunitária para todos os cristãos.
O prior de Taizé respondia, deste modo, a duas perguntas: “Não terá chegado o tempo de dar prioridade à identidade baptismal comum a todos, que nos une já em Cristo? Hoje, não deveriam as Igrejas cristãs ousar colocarem-se todas sob um mesmo tecto, antes mesmo de encontrarem um acordo sobre todas as questões teológicas?”
As outras sugestões deixadas na mesma ocasião apontam para a continuação do diálogo teológico “num quadro de oração comunitária”, na possibilidade de as diferentes igrejas imaginarem formas diversas de referência ao ministério do bispo de Roma e, ainda, na abertura da “hospitalidade eucarística aos que manifestam o desejo de unidade e que creem na presença real de Cristo”.

Procurar as fontes da fé

Na meditação, o irmão Aloïs recordava aos jovens participantes do encontro, que decorreu desde o dia 29 (segunda-feira passada), o contexto histórico da cidade onde eram acolhidos: “Nestes dias, vós, as diversas Igrejas de Praga, acolhestes-nos, protestantes, católicos, ortodoxos. Estou ainda mais sensibilizado porque vivemos este sinal de unidade no país de João Hus, cuja morte violenta será recordada no próximo ano. As faltas desta divisão da Igreja no século XV são partilhadas, mas a sua personalidade leva a que todos nós nos arrependamos e nos reconciliemos.”

Precisamente na sua primeira meditação, na noite de 29 de Dezembro, afirmou: “Em Taizé, e julgo que estamos longe de sermos os únicos, continuamos agradecidos aos povos da Europa Central e de Leste por terem mostrado que o inesperado era possível.” Recordando a passagem da peregrinação de confiança por Praga, em 1990, acrescentava: “No nosso Encontro de 1990, o Presidente da República, Václav Havel, disse-nos: ‘A peregrinação de confiança através da terra vem ajudar-nos a procurar as fontes da fé e os novos valores espirituais, perdidos durante as décadas de regime totalitário’.”
Na meditação do dia 30, acrescentava o prior de Taizé, a comunidade da Borgonha francesa que reúne monges de origem católica e protestante: “Os cristãos são [na República Checa] certamente uma minoria. Contudo, há também neste país uma nobre tradição humanista, alimentada pela arte, a literatura, a pintura, a música. Assim, crentes e não-crentes sustentam juntos uma corrente que pode resistir ao materialismo insípido que ameaça as nossas sociedades.”

Reconciliar Rússia e Ucrânia pela Páscoa

Dez anos depois do encontro europeu realizado em Lisboa, as sugestões e propostas concretas de Taizé não se ficaram, no entanto, pelo plano eclesial. Na meditação de dia 30, sugeriu o irmão Aloïs que todos os domingos, à noite, os jovens façam, “com outras pessoas, uma meia hora de silêncio pela paz no mundo”, consagrada “a confiar a Deus os países e as pessoas que sofrem por causa da violência” e “a acolher a paz de Cristo em nós, para que nos preparemos a sermos nós mesmos, nos sítios onde estamos, artífices da paz e da justiça”.
Como forma de concretizar este desejo de paz, o prior de Taizé acrescentou outra novidade: alguns dos irmãos da comunidade e jovens de diferentes países da Europa, irão celebrar a Páscoa (na data da celebração ortodoxa, 12 de Abril), na Rússia, Bielorrússia e Ucrânia.
Com o pretexto do centenário do nascimento do irmão Roger, dos dez anos da sua morte violenta e dos 75 anos da fundação da comunidade, o ano de 2015 será, em Taizé, marcado pela ideia da “nova solidariedade”:
 “Nova também porque estamos a enfrentar desafios desconhecidos: como entrar de forma positiva na mundialização, para que ela não signifique a opressão dos mais pobres ou das culturas minoritárias? Como viver num mundo cada vez mais dominado pela técnica? Entre as questões mais importantes encontram-se sem dúvida as migrações e a ecologia”, disse, na meditação do final do dia 31.
À questão ecológica e ambiental referiram-se várias das mensagens enviadas ao encontro por diferentes responsáveis: o patriarca ortodoxo Bartolomeu pediu aos jovens “que façam das questões ambientais um campo de construção ecuménico a tempo inteiro”, enquanto o secretário-geral da Federação Luterana Mundial, Martin Junge, dizia que a actual geração “herdará as consequências da política e da atitude de inércia relativamente” ao desafio das alterações climáticas. 
“Devemos tratar a criação como nosso próximo, com amor e esperança, com fidelidade e compaixão”, acrescentava o patriarca ortodoxo de Constantinopla (Istambul), referindo a cimeira mundial sobre o clima, que decorrerá durante este ano de 2015.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, referia o mesmo tema, afirmando: “Ansiamos alcançar em Paris [na cimeira mundial] um acordo universal e significativo relativo às alterações climáticas, desenhado para manter o aumento da temperatura global em menos de 2 graus, que os cientistas nos dizem ser necessário para evitar um conjunto de consequências perigosas.” E acrescentava: “Neste momento de conflito e mudança, o mundo precisa de jovens que falem aos seus iguais e aos mais velhos e que os encorajem a procurar reconciliação.

Abrir caminhos de liberdade

Também o Papa Francisco se dirigiu aos jovens participantes do encontro, dizendo-lhes que eles são “convidados a abrir caminhos de liberdade”. E pedia: “No momento em que a República Checa celebra os 25 anos do regresso à democracia, não esqueçam, nas vossas orações, os mártires e os confessores da fé, os homens e as mulheres de boa vontade que permitiram, pelo seu desinteresse de si mesmos, e por vezes à custa de grandes sofrimentos, que o seu país reencontrasse o caminho da liberdade.”
(As diferentes mensagens podem ser lidas aqui na íntegra)
Na oração da noite de 31 de Dezembro, o irmão Aloïs anunciou que o próximo encontro europeu da peregrinação de confiança através da terra decorrerá em Valência (Espanha), entre 28 de Dezembro de 2015 e 1 de Janeiro de 2016.

Na saudação que dirigiu aos jovens, o cardeal Antonio Cañizares, novo arcebispo de Valência (onde substituiu o actual arcebispo de Madrid, Carlos Osoro), afirmou: “Será um encontro de Igreja, um encontro de unidade e de oração pela unidade de todos os cristãos e será, também, um encontro que pressupõe uma revolução dentro da nossa Igreja valenciana, para vivermos de perto o que, a partir de Taizé, nos chega a todos”.

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