segunda-feira, 31 de março de 2014

Cegueiras, as discípulas de Jesus, o paradigma da sexualidade e a pedofilia na Igreja

Crónicas

No seu comentário à liturgia católica deste Domingo, Vítor Gonçalves escreveu na Voz da Verdade, sob o título Somos cegos?:

Já não é um “coitadinho” (exclamação que certamente ouviu muitas vezes), mas alguém com voz própria, capaz de atrapalhar a lógica escurecida e fechada dos fariseus e dos judeus, interpelando com ironia, e denunciando a cegueira de quem tudo afirma saber mas não está disposto a deixar-se interpelar por Cristo. É a religião que tudo controla, tudo domina e tudo sabe, incapaz de se alegrar com os milagres “fora do horário estabelecido” e com a surpresa de Deus não se limitar aos seus conceitos. É tão fácil colar rótulos, de “pecador”, como a este homem, ou tantos outros que prolongam a cegueira de quem os pronuncia, rejeitando pessoas e o que podemos aprender com elas!
(texto completo aqui)


Na sua crónica de Domingo, no Público, frei Bento Domingues escreve, sob o título Afinal Jesus também tinha discípulas:
Quando viram que Jesus era um rei crucificado, um perdido, [os discípulos] abandonaram-no. Pelo contrário, as mulheres que o seguiram, por pura sedução, sem outra convocatória – as verdadeiras discípulas – nunca o abandonaram, nem na vida nem na morte. Quando os discípulos se afastaram, elas até no sepulcro o procuraram. Estavam habitadas pela memória do seu Mestre.
Foi a estas discípulas que Jesus manifestou que tinha vencido a morte e mandou-as evangelizar os discípulos. É o único prémio daquelas que nunca procuraram ganhar nada com o seguimento de Jesus: era só ele e a sua mensagem que as interessava. Foram compensadas e toda a Igreja por meio delas.
(texto completo aqui)


Sábado, no DN, Anselmo Borges escrevia sobre a Mudança de paradigma, a propósito do Sínodo dos Bispos católicos acerca da família, que decorre em Outubro próximo:
Sobre temas tão sensíveis como complexos, espera-se agora uma palavra evangélica, positiva e humanizante, que não canonize o "vale tudo" nem caia no simples legalismo e na moral da proibição. Estou convencido de que o legalismo e o proibicionismo, acompanhados do não reconhecimento do princípio da autonomia moral, foram causa fundamental do abandono da Igreja por parte de milhões de pessoas.
(texto completo aqui)


No Correio da Manhã de sexta, Fernando Calado Rodrigues escrevia sobre A Igreja e a pedofilia, a propósito da nova Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores, nomeada há dias pelo Papa Francisco:

Com estas nomeações, de quatro homens e quatro mulheres, o Papa revela argúcia política – escreve John Allen, num texto no jornal “The Boston Globe” – e responde às duas principais críticas que tem recebido. A primeira é a de nada ter feito no combate à pedofilia. A segunda é a de, embora defendendo a importância da mulher na Igreja, continuar a rejeitar a sua ordenação.
(texto completo aqui)


sexta-feira, 28 de março de 2014

Os católicos na luta contra a ditadura (2) - Testemunho sobre a resistência dos cristãos

25 de Abril, 40 anos
Texto de Guilherme d’Oliveira Martins


D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, 
um dos rostos da crítica católica ao Estado Novo 
(foto reproduzida daqui)

(Nota de agenda: neste sábado, dia 29, o Centro de Reflexão Cristã organiza um colóquio sobre Os católicos e o 25 de Abril, no qual intervêm os historiadores João Miguel Almeida e Luís Salgado de Matos, bem como Luísa Sarsfield Cabral, que foi presa pela PIDE. É a partir das 15h30, no CRC - Rua Castilho, 61 – 2.º D.to, em Lisboa)

Com o fim da guerra, houve quem pensasse que os aliados iriam pressionar os países ibéricos no sentido da democracia e do pluralismo. No entanto, as feridas abertas pela guerra civil espanhola e o desenvolvimento da guerra fria suscitaram entre os membros da Aliança Atlântica receios e cautelas especiais, que se traduziram na manutenção dos regimes peninsulares. A «neutralidade colaborante» portuguesa do final do conflito mundial, apesar de todas as ambiguidades, serviu para legitimar «de facto» a continuidade de Salazar. As esperanças alimentadas em 1945 foram diversificadas – desde os republicanos da oposição tradicional moderada até ao Partido Comunista, passando pela pequena oposição monárquica, que julgou ver então uma possibilidade de mudança de regime (contando com a antiga ambiguidade do Presidente do Conselho). No entanto, depressa se percebeu que tudo ficaria na mesma, apesar de equívocos terminológicos, sem consequências práticas, que levariam Salazar a falar de «democracia orgânica» e de «eleições livres como na livre Inglaterra».

O certo é que, entre 1945 e 1958, sente-se uma evolução no sentido de integrar progressivamente os católicos na transição centrada numa abertura gradual mas audaciosa do sistema constitucional. A oposição republicana alimentava no seu seio contradições significativas, que o tempo agravaria, em especial no domínio da política ultramarina. Afinal, a República fora criada na sequência do Ultimatum inglês e a memória desse ultraje estava ainda presente na abordagem do tema colonial pela velha guarda do reviralho. O Partido Comunista beneficiava da conjuntura internacional da guerra fria e tendia (até pelo reconhecimento implícito da situação) a afirmar-se como a força mais significativa da oposição. Note-se que a posição da Igreja Católica relativamente à autodeterminação dos povos colonizados evoluiria muito (na linha do que Mounier dissera em «L’Éveil de l’Afrique Noire»), até como condição de consolidar a sua posição do terceiro mundo. Em 1958, a transformação política mais importante que se registou foi o início do canto do cisne da «frente nacional» que sustentava o Estado Novo, em que as Forças Armadas e a Igreja desempenhavam um papel essencial. E o certo é que esses apoios irão ser postos em causa definitivamente. E se usamos a palavra «definitivamente», tal tem de ser interpretado à luz de uma tendência gradual, com momentos de evolução lenta, alternando com outros mais rápidos (como na eclosão da guerra colonial em 1961 ou nas crises estudantis).

O abalo da “frente nacional”

Se falamos de 1958, referimo-nos à candidatura à Presidência da República do General Humberto Delgado e ao memorando enviado pelo Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, a Oliveira Salazar – que irão contribuir para que a «frente nacional» seja fortemente abalada. Henrique Galvão e António Sérgio, duas personalidades provindas de horizontes antagónicos (um, do grupo de militares que implantou a ditadura militar em 28 de Maio de 1926, braço direito de Salazar na Emissora Nacional; e o outro, prestigiado intelectual da renovação republicana, referência da «Seara Nova»), que se tinham encontrado na oposição ao Estado Novo, convergiram na defesa de que este apenas poderia ser mortalmente atingido se os seus apoios fundamentais fossem abalados, a partir de dentro. Daí a candidatura de Humberto Delgado, que o PCP não apoiou num primeiro momento, e que tomaria uma dinâmica imparável, o que obrigaria os comunistas e mudar de atitude, desistindo do seu candidato Arlindo Vicente. No caso da Igreja Católica, a atitude do regime face a D. António Ferreira Gomes, impedindo-o de regressar ao Porto (apesar de manter a dignidade episcopal), torná-lo-á uma vítima e um dos símbolos do «aggiornamento» do Concílio Vaticano II, no que este visava superar o eurocentrismo e assumir a compreensão dos «sinais dos tempos» (que a encíclica «Pacem in Terris» e a constituição «Gaudium et Spes» enfatizam).

quinta-feira, 27 de março de 2014

Teatro e Religião: uma pergunta sobre humanidades

Num texto de opinião hoje no Público, a propósito do Dia Mundial de Teatro, e acerca da relação deste com o fenómeno religioso, o encenador Castro Guedes faz uma reflexão-pergunta, sob o título “Teatro e religião: humanidades”. E escreve:

O Homem, ponte e veículo destas aproximações entre religião e artes — na sua dimensão/observação de índole metafísica e religiosa, na teologia ou no estudo antropológico e da própria etologia, na dimensão psicológica ou sociológica — está no epicentro de todas as Humanidades, tal como estas são o sol dos planetas culturais, se assim se pode dizer. (...)

Aterroriza este paganismo, (...) incomodam-lhe as Humanidades porque a Religião coloca valores acima do utilitário, as Artes desencadeiam sensibilidades, a Filosofia faz pensar, a História traz memória, as Línguas permitem comunicação com outros povos, a Psicologia questiona-se sobre a mente e os comportamentos da Pessoa e não do indivíduo, a Sociologia trata do socialmente activo e não do indivíduo isolado, as Ciências da Educação contribuem para potenciar e compreender a aquisição e transmissão de conhecimentos, etc., etc., etc..
(O artigo pode ser lido aqui na íntegra;)

Judaica: cinema e busca de identidade


Imagem da curta metragem de animação 
Uma Coisa Tão Pequenina, a exibir domingo, às 16h

Histórias de hooligans ou de espiões, de um cardeal ou de mulheres, do Holocausto ou do conflito do Médio Oriente, de danças, casamentos ou de mitos como o de que todos os judeus são ricos. Tudo isso integra a Judaica– 2ª Mostra de Cinema e Cultura, que esta quinta-feira começa em Lisboa, no Cinema São Jorge, prolongando-se até domingo.
“São filmes que mostram a procura de identidade, que mostram como se chega a descobrir que por vezes se é aquilo que odiávamos ou que devemos manter aquilo que somos”, diz Elena Piatok, dinamizadora e organizadora da mostra, que teve em 2013 a sua primeira edição.
Nesta perspectiva estão desde logo os dois filmes do primeiro dia: às 19h, o documentário polaco A Lua é Judia, sobre um hooligan que descobre as suas raízes judaicas e aos poucos se vai aproximando do judaísmo; o filme será seguido de um debate, com a participação de Francisco José Viegas e João Medina. Às 21h30, O Atentado, do libanês Ziad Doueri, assinala a abertura oficial da mostra e contará com a presença do realizador. “Teremos a oportunidade de conhecer o cineasta (...) e de lhe colocar a questão que consideramos encontrar-se no âmago desta obra-prima: Será que conhecemos quem amamos?”, escreve Piatok no programa. 
O filme com que encerra este festival – O Cardeal Judeu – conta a história de Jean-Marie Lustiger, filho de emigrantes judeus polacos que, após ter abraçado a fé católica, acabou por decidir ser padre e chegou a arcebispo de Paris e cardeal (o título original significa, na realidade, O Mestiço de Deus). Apesar disso, Lustiger manteve a sua identidade cultural judaica – uma das cenas iniciais do filme é o jovem padre Jean-Marie a estudar hebraico e a discutir com o pai sobre a sua identidade religiosa.
Após a exibição do filme (pode ver-se um pequeno excerto aqui), haverá um debate com a participação do rabi Eliezer di Martino, da Comunidade Judaica de Lisboa, e do padre José Tolentino Mendonça, director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura da Igreja Católica.
Em Maio de 2003, tive oportunidade de entrevistar o cardeal Lustiger, numa sua breve passagem por Lisboa. Comecei a conversa (cuja versão integral está publicada em Deus Vem a Público, ed. Pedra Angular) pelo tema do seu livro A Promessa (ed. Paulus), onde ele fala precisamente da importância das raízes judaicas do cristianismo:

quarta-feira, 26 de março de 2014

Os católicos na luta contra a ditadura (1) – Porque os outros se calam mas tu não...

25 de Abril, 40 anos

Foi “uma homenagem a todos os que souberam dizer ‘não’ ao regime da ditadura que vigorou entre 28 de Maio de 1926 e 25 de Abril de 1974” – sobre cuja data passam este ano 40 anos –, nas palavras de José Dias, que animou o encontro. Iniciativa com características de história oral, realizou-se a 22 de Fevereiro último, no Convento de São Domingos, em Lisboa, um encontro sobre Os Católicos na luta contra a ditadura, que reuniu cerca de 180 pessoas durante uma tarde inteira.  
Organizada pelo Instituto São Tomás de Aquino, dos padres dominicanos, e pelo Movimento Não Apaguem a Memória, a iniciativa contou com testemunhos, alguns deles com histórias inéditas, depoimentos escritos e música.
Até ao próximo dia 25 de Abril, o RELIGIONLINE vai publicar os depoimentos escritos que foram lidos no encontro, além de histórias desenvolvidas a partir das informações e testemunhos ali partilhados.
A música, interpretada ao vivo por Francisco Fanhais, marcou o momento inicial. É desse momento que aqui ficam dois registos. O primeiro, um excerto de Porque, poema de Sophia de Mello Breyner:



Porque os outros se mascaram mas tu não 
Porque os outros usam a virtude 
Para comprar o que não tem perdão. 

Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados 
Onde germina calada a podridão. 

Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem 
E os seus gestos dão sempre dividendo. 
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos 
E tu vais de mãos dadas com os perigos. 
Porque os outros calculam mas tu não, tu não...


O segundo, a interpretação de Utopia, música de José Afonso:


Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo mas irmão
Capital da alegria
Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
E teu a ti o deves
lança o teu
desafio

Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para as margens do Oriente
Este rio este rumo esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?

(Próximo texto, dia 28: Testemunho sobre a resistência dos cristãos, de Guilherme d'Oliveira Martins)

terça-feira, 25 de março de 2014

Calado Rodrigues: Papa, cardeal Policarpo e Ucrânia

Na sua crónica de sexta-feira passada, no Correio da Manhã, Fernando Calado Rodrigues escreve sobre as Resistências ao Papa e pergunta qual a atitude dos responsáveis eclesiais:

Ao longo destes doze meses, quem de nós, a quem foi confiada uma missão na vida da Igreja, não se questionou sobre os seus procedimentos, hábitos e rotinas, ao constatar o que o Papa diz e faz? Só se não prestámos a devida atenção às suas atitudes e palavras...
(texto completo aqui; a entrevista citada foi também referida aqui)


Na semana anterior, a crónica evocava D. José Policarpo, O cardeal que queria ser pároco de aldeia:

O seu percurso de vida acabou por afastá-lo daquela que era a sua aspiração quando entrou no seminário: ser pároco de aldeia. À época, e ainda hoje, os alunos mais brilhantes são escolhidos para desempenhar cargos no governo central das dioceses e raramente têm oportunidade de desempenhar essa missão, muitas vezes considerada pouco relevante e prestigiante.
(texto completo aqui)


No dia 2, Calado Rodrigues abordava a crise ucraniana das últimas semanas, falando sobre A Ucrânia e a religião:



(foto reproduzida daqui)

Nesta como noutras crises e problemáticas políticas, as igrejas, não se devendo imiscuir na política partidária, têm de defender de forma intransigente os direitos humanos. Esse é, aliás, o seu primeiro contributo para a promoção da paz social e da liberdade. 
(texto completo aqui)


domingo, 23 de março de 2014

Fr. Bento Domingues: mulheres, dívidas e dietas

Crónicas


(ilustração: Rembrandt, Cristo e a Samaritana, reproduzida daqui)

Na sua crónica de hoje no Público, intitulada A samaritana não se disfarçou de santa, frei Bento Domingues escreve, sobre o episódio narrado no Evangelho Segundo São João:

Vale a pena percorrer a espantosa narrativa do encontro de um “judeu marginal”, Jesus, com uma samaritana pouco recomendável, junto a um poço, no pico do calor. (...) Foi Jesus quem quebrou a animosidade inicial, mas a samaritana acaba por se esquecer do que foi fazer ao poço, sentindo-se perfeitamente compreendida por aquele judeu que desloca a religião do Templo de Jerusalém e do monte Garisim, para o culto do Pai, em espírito e verdade. Pressente que está a nascer nela uma fonte de eternidade, uma outra religião, um futuro novo.
Os discípulos de Jesus, meio escandalizados com o cenário não entendem, como de costume, o que se está a passar. Entretanto, a mulher partiu em missão: contou a sua experiência, não como protagonista, mas para levar os samaritanos a fazerem eles próprios o seu caminho. (...)
Porque teria Jesus, segundo as narrativas da Ressurreição, confiado a evangelização da própria Igreja às mulheres?
(texto completo aqui)

No domingo anterior, a crónica intitulava-se Conversão da Igreja ao serviço da transfiguração do mundo e nela se falava também do manifesto sobre a reestruturação da dívida portuguesa:

70 personalidades assinaram um manifesto sobre a reestruturação da dívida. A dívida é cada vez maior. Seja qual for a opinião acerca deste gesto, o que parece claro é que nunca iremos ter possibilidades de a pagar. Nestas crónicas antecipámos uma transfiguração quaresmal. O perdão das dívidas é um assunto bem conhecido do AT e NT. É melhor não os esquecer nesta Quaresma, que deve ser transfiguradora. A Alemanha não está arrependida de lhe terem perdoado uma dívida imensa. Desse perdão dependeu o seu milagre económico.
Os deputados, todos os deputados, não se esqueceram das suas condições de vida. Quando acordarem para a situação de vida da maioria dos seus eleitores, talvez descubram que muitos deles já morreram e outros imigraram.
(texto completo aqui)

Dia 9 de Março, na segunda crónica com o título O ser humano tem cura, frei Bento falava também da Quaresma:
A Quaresma não é um programa de dieta alimentar para vencer os desvarios do Carnaval. Este significa que, sem divertimento e prazer, fazemos do ser humano uma simples peça da cadeia de produção. O tempo de Quaresma é dedicado a descobrir quem somos: lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar. Uma tristeza! Os cristãos eram obrigados a voltar ao Antigo Testamento. A alternativa actual é muito melhor: arrependei-vos e acreditai no Evangelho da Alegria, acreditai que tendes cura. 
(texto completo aqui; o primeiro texto com este título pode ser lido aqui)