terça-feira, 5 de novembro de 2013

Educação e “liberdade de escolha”: uma verdade inconveniente


(foto TVI, reproduzida daqui)

Num momento em que se debatem questões como o chamado cheque-ensino ou os apoios do Estado ao ensino privado – que inclui tantas escolas católicas ou de inspiração religiosa – é obrigatório ver esta reportagem da TVItransmitida segunda-feira, dia 4. O documentário ajuda-nos a perceber que o que está em causa não é a liberdade de os pais escolherem a escola para os seus filhos. A liberdade de escolha estará em causa no momento em que todos os pais – todos – puderem de facto escolher a escola que querem para os seus filhos. Estamos obviamente muito longe disso.
O que está em causa, isso sim, é uma ofensiva ideológica extremista contra uma escola pública de qualidade, que garanta que todas as crianças têm acesso a uma formação decente – tal como o país conseguiu fazer, apesar de muitos percalços, nas últimas quatro décadas.
Entre as escolas privadas apresentadas, a reportagem mostra também alguns colégios católicos. Deve dizer-se, em abono da verdade, que várias destas escolas têm uma história. Em alguns casos, foram mesmo importantes no alargamento da escolaridade nas localidades em que se inserem, quando não havia escolas suficientes da rede pública. Ou, até, na possibilidade que deram a tantas crianças mais desfavorecidas de também poderem frequentar o ensino, quando o Estado ainda não tinha essa capacidade. Mas estas escolas deveriam ser as primeiras a colocar em questão o seu papel – muitas vezes, elas surgiram para responder à necessidade de educar as crianças mais pobres e mais desfavorecidas. E hoje limitam-se, na maioria dos casos, a educar os filhos de quem mais pode – e quem, por vezes, mais contraria, na prática, critérios básicos do pensamento social católico.
Os casos mais graves apresentados na reportagem são, no entanto, os de actuais e ex-políticos e agentes educativos que criaram colégios e escolas privadas em lugares onde a escola pública dava resposta às necessidades, a avaliar pelos números apresentados. No fundo, estamos perante uma situação semelhante aquela que tem entregue os nossos impostos e sacrifícios à banca, ou aquela que entregou dinheiro dos contribuintes às parcerias público-privadas na saúde ou na rede de estradas, ou em tantos outros casos.
Neste debate sobre o ensino, aliás, há um vício original: a discussão não deveria ser entre público e privado, se a educação fosse deixada por conta de pais e professores e o Estado se limitasse a pagar ordenados e a manutenção da estrutura e necessidades educativas – tal como acontece, aliás, em vários países europeus. Infelizmente, em Portugal, o debate está muito distorcido e, perante a ofensiva ideológica que está em marcha, resta-nos a denúncia e a exigência. O Estado não pode interferir em tudo, mas o que se pretende é apenas privatizar para alguns - com o dinheiro de todos - aquilo que deve ser função da comunidade. 

Uma das mães ouvidas na reportagem diz: “Estas pessoas não têm o direito de cortar as pernas aos nossos filhos.” Pelos vistos, há quem ache que pode mesmo cortar as pernas e muito mais.

Sem comentários: