sábado, 20 de abril de 2013

Carta de uma ovelha “ranhosa” ao Bom Pastor


Crónica – À procura da Palavra
(P. Vítor Gonçalves)

" As minhas ovelhas escutam a minha voz."
(Evangelho de João 10, 27 – Domingo IV da Páscoa, Ano C)

Jesus Bom Pastor.
É grande a ousadia de me aventurar a “balir” estas palavras, quando escutar a Tua voz (que algumas vezes confundo com outras) é substancialmente melhor. Mas nesta Páscoa ando a correr o risco epistolar e o perigo será perder-me em divagações e lá terás que vir à minha procura por entre os espinhos e rochedos. Quantos pastores conheceste que deixavam o rebanho para procurar uma ovelha perdida? Alguns, certamente, e quiseste colocar nessa imagem todo o cuidado de Deus pelo povo de Israel e por cada um de nós. Como me encanta pensar na Tua alegria de trazeres aos ombros a ovelha perdida que, também algumas vezes, sou eu! 
É verdade que esta imagem e a simbologia do pastor e do rebanho tinham uma força maior no Teu tempo e numa cultura agrícola. Em muitas terras do interior do nosso país era pastor quem não tinha cabeça para mais nada! Claro que ninguém conhecia cada ovelha melhor do que ele, e muitas eram as ocasiões de proteger e cuidar das mais frágeis. Mas de alguma má fama também não se livravam (e isso também já acontecia em Israel). Por outro lado, a imagem de ovelhinha mansa, que faz tudo o que lhe dizem numa espécie de obediência cega, por medo ou por falta de iniciativa, e que anda em “carneirada” também sempre me incomodou. Já estás a ver porque é que me chamei “ranhosa”! É que escutar a Tua voz leva a diálogos que nunca mais acabam, conversas que abrem novos horizontes, e entrar na intimidade que vives com Pai e o Espírito Santo. Só assim entendo que seguir-Te é levar tudo o que sou, dúvidas e medos, “ranhosises” e irreverências, entusiasmo e confiança, e desejo de concretizar o Teu projecto de amor. 
Muitas das qualidades do bom pastor gosto de reconhecê-las em inúmeras situações em que somos responsáveis por outros. Os bons pais estão em primeiro lugar, por tanto amor que geram, ainda que algumas vezes tenham dificuldade em responsabilizar e autonomizar os filhos. Quantos bons professores ambém conheces, capazes de ajudar a construir (e a reconstruir) crianças e jovens que outros abandonam ou deles desistem? E os bons treinadores, que pelo desporto, formam pessoas com carácter e grandeza, ainda que o dinheiro e a fama sejam tão aliciantes? Bons políticos, capazes de abraçar a justiça e a honestidade, renunciando ao egoísmo e ao partidarismo para promover o bem comum; bons empresários que sabem valorizar o trabalho e a dignidade de cada pessoa e não põem o lucro individual acima da justa retribuição dos bens; bons jornalistas que promovem a verdade e criam comunhão e corresponsabilidade; bons amigos que não deixam de estar presentes e nos abrem os olhos e o coração para o amor. Quantas forem as actividades humanas, em todas poderemos aplicar este ser “bom”, que é muito mais do que ser “o melhor”. Significa participar da bondade do Bem que Deus é e Tu nos revelas em profundidade! A do amor até ao fim da cruz!   
Como mudaria a vida de cada um e do mundo se aprendêssemos ainda mais contigo esta bondade! E se a vivêssemos melhor em Igreja, quanta felicidade não espalharíamos?! Que bom saber que não desistes de nós, e ainda que sejamos “ranhosos”, não nos deixas sós diante do medo e do mal.
Obrigado por me escutares. E pelas Tuas palavras cheias de vida!
E cá vou conTigo, Bom Pastor Jesus!

(texto publicado na edição de 21 de Abril do jornal Voz da Verdade; ilustração: Ilda David’, in A Bíblia Ilustrada, ed. Círculo de Leitores/Assírio & Alvim) 

Fernando Calado Rodrigues escreveu também a pretexto do mesmo tema do Bom Pastor, no Correio da Manhã de sexta; no DN deste sábado, Anselmo Borges escreve sobre “As leis fundamentais da estupidez humana".

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