quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O que sabemos de Jesus?


Livro

O que se sabe de Jesus permite estabelecer a sua biografia? Sabemos que Jesus viveu em Nazaré da Galileia e que a sua família seria de Belém. Que ele se via como um enviado messiânico e que anunciou a chegada do “reino de Deus”. No final, foi morto, mas os seus discípulos anunciaram depois que ele tinha ressuscitado. Conhecemos, também, alguns pormenores sobre a sua relação com as pessoas, sobre o modo como encarava o poder político e religioso do seu tempo – poderes que, aliás, o condenaram à morte.
Este livro (ed. Gradiva), resultado do colóquio que decorreu em Valadares em Outubro de 2011, tenta explicar porque passamos de Jesus (a personagem histórica) a Jesus Cristo – a figura que está no centro da fé de milhões de pessoas. Coordenado por Anselmo Borges e com o contributo de alguns dos melhores teólogos e especialistas de diferentes áreas, podemos aqui aprofundar diversos aspectos sobre a pessoa e a mensagem de Jesus: que dados há sobre a sua vida ou o que sabemos sobre o modo como se relacionava com Deus, as religiões, a política, as mulheres ou o dinheiro. E ainda como podemos entender a expressão “ressuscitou dos mortos” e o modo como foi visto e recebido pelos seus seguidores ao longo dos tempos (a Igreja cristã) e pelo movimento da gnose.
Como dizia o biblista Joaquim Carreira das Neves numa das sessões de apresentação do livro, em Lisboa, tudo, em relação a Jesus, acontece porque as comunidades perguntavam: de onde vem ele?” E alguns destes textos são deveras obrigatórios para quem queira aprofundar de onde vem Jesus e que pretendia ele com a sua vida e a sua mensagem.
Destaque-se, entre todos, o contributo de Andrés Torres Queiruga, nome maior da teologia contemporânea, acerca da ressurreição, “mistério-limite” que marca “ao mesmo tempo a glória e a dificuldade da fé” e constitui um desafio à renovação da teologia actual. A ressurreição, dizia Carreira das Neves na mesma ocasião, “teve um grande impacto sobre a Igreja nascente”. A viagem de Queiruga, colocando em diálogo os textos e relatos bíblicos com a cultura contemporânea, é verdadeiramente estimulante e provocadora de novos horizontes.
Queiruga começa por notar que a ressurreição é um dos desafios maiores para a “renovação da teologia actual”, apontando em três direcções fundamentais: “a crítica exegética, a mudança cultural e o diálogo das religiões”. Que implicam “o fim do fundamentalismo bíblico, a superação da concepção ‘mítica’ da intervenção de Deus no mundo e que o exclusivismo religioso é inaceitável”.
O teólogo galego, um dos nomes fundamentais na teologia contemporânea, diz que a ruptura com o fundamentalismo é “especialmente urgente neste caso, onde as próprias narrações neotestamentárias, cheias de acenos, dissonâncias e até contradições, proclamam gritantemente o seu carácter simbólico, catequético e parenético”. E contesta a exaltação de Cristo “desencarnada e ‘monofisita’, que pensa confessá-lo tanto mais divino quanto o afastar do humano”. A verdadeira cristologia, ao contrário, será a que compreende que a divindade de Jesus “se manifesta e realiza” na mais “profunda humanidade: tanto mais divino quanto mais radical e autenticamente humano”.
Os relatos bíblicos, insiste Queiruga, são “testemunhos de fé” que pretendem afirmar que, “apesar da sua morte real e terrível, Jesus de Nazaré não foi aniquilado; que, pelo contrário, de uma maneira nova e misteriosa, continua mais vivo do que antes e plenamente glorioso; que não se desentendeu dos seus, que, pelo contrário, continua presente e acompanhando-os a partir da sua transcendência divina...”
Como novo paradigma, Andrés Torres Queiruga propõe os conceitos de acção de Deus como criador que está “desde sempre a trabalhar” na criação do mundo; de revelação como expressão de presença de Deus que o revelador descobre e interpreta; e da cristologia como “plena realização da antropologia”, na esteira da expressão de Karl Rahner.
Um livro obrigatório para o conhecimento e o debate.

(Para conhecer outros aspectos abordados neste livro, pode ler-se aqui)

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