quinta-feira, 31 de março de 2011

À Procura da Palavra - CARTA AO CEGO DE NASCENÇA QUE PASSOU A VER

A partir de hoje, retomamos a publicação da crónica (em princípio semanal) À Procura da Palavra, do padre Vítor Gonçalves, de comentário aos textos da liturgia católica do domingo seguinte.

“Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença.”

(Evangelho segundo S. João 9, 32) – Domingo IV da Quaresma

Amigo dos olhos abertos! Não sei como te chamar porque não nos chegou o teu nome mas o evangelista João deixou-nos um retrato teu que impressiona sempre que o escuto e ficou-me uma vontade de te escrever. Ao contrário de outros cegos dos evangelhos parece que não pediste nenhum milagre a Jesus. Não gritaste nem se ouviu a tua voz. Talvez nem tivesses ouvido falar dele. De facto foi Jesus que te encontrou no caminho e depois de tentar libertar as mentes dos discípulos do preconceito de que a doença e o sofrimento eram castigo dos pecados, pôs-te “na berlinda”. Deves ter ficado surpreendido com aquele lodo feito de saliva e terra que Ele te pôs nos olhos e com a ordem para te ires lavar à piscina de Siloé. E foste, e ainda bem que foste!

Gostava tanto de te ouvir contar como foi o teu abrir de olhos e começares a ver! Sabes, às vezes, andamos com os olhos desfocados ou cheios de escamas que já nem nos maravilhamos com o dom de ver. Como se andássemos doentes dos olhos e só vemos o que é feio, o mal dos outros e do mundo, a escuridão. Imagino o teu olhar como o das crianças, encantado com tudo, maravilhado com o insignificante e com o grandioso, espantado quando viste o teu rosto pela primeira vez e o daqueles que só conhecias pela voz, pelas mãos. Estavas a nascer de novo!

E como isso te transformou. Já não fazia sentido pedir esmola mas era preciso dizer que eras o mesmo e também outro. No meio de acesa polémica foste questionado, levado aos fariseus, quiseram manipular-te, insultaram-te, mas foi crescendo em ti uma voz, uma coragem para até ironizar com os que te julgavam. Não aceitavam que tivesses nascido “inteiramente em pecado” e estivesses a ensiná-los! Continuamos a ter dificuldade em acolher as surpresas de Deus. É tão fácil espalhar o preconceito e viver em condomínios fechados do pensamento. Julgamos ver melhor e talvez estejamos cegos para o essencial. Mas também há modos refinados de prolongar “cegueiras”, de esconder verdades, de manipular pessoas e multidões. Na política, na economia e até na fé há “sábados” intocáveis de inércia e acomodamento, de poderes apetecíveis, de tradições vazias, de injustiças prolongadas. Continua a ser verdade: “o pior cego é aquele que não quer ver”.

Mas foi o olhar de Jesus que mais te impressionou, não foi? Há uma canção brasileira que diz assim “Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem-se encontrar…”. Ver e acreditar foi um enorme passo. Como se transformou o teu caminho? Como se transformam os nossos que também acreditamos em Jesus? Pode ver-se nos nossos olhos a luz que passou a habitar os teus? Obrigado pela tua paciência em me leres.

Um abraço a Jesus e vemo-nos por aí!

(ilustração: El Greco, Jesus curando o cego)

quarta-feira, 30 de março de 2011

Dez motivos para lembrar o Concílio Vaticano II


Um leitor do “Corriere della Sera” pediu ao cardeal e arcebispo emérito de Milão, Carlo Maria Martini, “uma lista de dez motivos” pelos quais devemos estar agradecidos ao último concílio.
Martini não respondeu propriamente com uma lista, mas apontou alguns motivos. O Concílio foi óptimo e recomenda-se, defende o cardeal, contra o que constitui uma corrente não tão pequena quanto se pode supor que anda por aí a dizer que os males actuais da Igreja (incluindo a pedofilia) são consequência das alterações introduzidas por esta reunião magna dos bispos católicos.
No decorrer do Vaticano II, “sentia-se como a Igreja havia reencontrado uma linguagem simples e convincente, que falava ao coração do homem contemporâneo”, afirma Martini, que estava então na comunidade do Pontifício Instituto Bíblico (tinha 35 anos em 1962, início do Concílio; seria ordenado bispo em 1980).
Em síntese, segundo o cardeal, são estes os motivos para lembrar e continuar o Concílio:
- confiança no método histórico-crítico (de que Bento XVI desconfia nos seus livros sobre Jesus);
- melhor compreensão dos textos da liturgia
- uso das línguas vernáculas na liturgia
- encorajamento do diálogo com os cristãos não católicos e com as religiões não cristãs;
- impulso à reforma das ordens religiosas
- aprofundamento da identidade da Igreja
- reconhecimento da liberdade religiosa
- novo entendimento da presença da Igreja no mundo
São oito os motivos apontados. Concordando com todos, eu apontaria mais dois para fazer os dez: reconhecimento da identidade laical (pode estar subentendido na questão da identidade da Igreja); valorização dos meios de comunicação social (foi escrito um documento sobre o assunto, ainda que menor, o “Inter mirifica”, provocando a exclamação em Tiago Alberione, fundador da família paulina: “Agora já não podeis duvidar. A Igreja falou”).

A pergunta do leitor e a resposta do cardeal podem ser lidas em italiano no sítio que criou para promover o Concílio ou em português aqui.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Bento e Anselmo: Homem - animal que fala à beira de um poço


Bento Domingues no "Público" de 27 de Março.


Anselmo Borges no DN de 26 de Março:

Entre as características ou "notas" que distinguem o ser humano dos outros animais, uma é determinante: a capacidade simbolizante, de tal modo que antropólogos, como E. Cassirer ou P. Laín Entralgo, o definiram, respectivamente, como animal simbólico e animal simbolizante.O animal vive dentro do esquema estímulo-resposta. Com o homem, dá-se uma mudança qualitativa, já que, entre o estímulo e a resposta, se introduz o sistema simbólico. Ler mais aqui.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Começa hoje o Pátio dos Gentios. A Igreja só dialoga com ateus que são "patos mancos"?

Começa hoje, em Paris, a primeira edição do Pátio dos Gentios, “dois dias de trocas e diálogos entre crentes e não crentes”.

O cardeal Gianfranco Ravasi justificou em entrevista ao jornal italiano “Il Fatto Quotidiano” a escolha da cidade de Paris por ser um “estandarte de laicidade”, uma cidade onde encontrou “um mundo laico interessado num confronto verdadeiro sobre grandes temas”.

O diálogo é necessário porque, afirma o cardeal que coordena a iniciativa, “o crente e o ateu são, cada um, portadores de uma mensagem, que é «performativa», já que envolve a existência”. E acrescenta: “Estou contente por ter como interlocutores em Paris personalidades como Julia Kristeva, semióloga e psicanalista agnóstica, ou o geneticista Axel Kahn”.

Os assuntos a discutir hoje e amanhã são, segundo o cardeal, na Unesco, “o papel da cultura”, mas também “as mulheres na sociedade moderna”, o “empenho pela paz e a busca de sentido num mundo que é ao mesmo tempo secularizado e religioso”, na Sorbonne, “Iluminismo, religiões, razão comum”, no Institut de France, “economia, direito, arte”.

Esta vontade de diálogo a partir da Igreja obteve um curioso contraponto crítico num artigo de Paolo Flores d’Arcais (que em português, em co-autoria com Joseph Ratzinger, tem publicado “Existe Deus? Um confronto sobre verdade, fé e ateísmo”, ed. Pedra Angular).

O filósofo ateu realça que por vezes a Igreja escolhe interlocutores que são “patos mancos”, segundo expressão do entrevistador de Ravasi, isto é, aqueles ateus que parecem sofrer a condição da falta de fé como uma amputação ontológica. (A observação é perfeitamente aplicável à Igreja portuguesa, que também tem os seus "patos mancos".) E provoca o cardeal:
Espero, por isso, sinceramente, que às suas palavras sigam-se os fatos. Não só em Paris, também na Itália. Nos últimos anos, a atitude foi, porém, de sinal oposto. O diálogo com o ateísmo foi sistematicamente rejeitado pela Igreja hierárquica e até pelo senhor, pessoalmente. Trata-se de uma verdade indiscutível, da qual, infelizmente, eu posso dar testemunho direto. (…)
Convido-lhe, portanto, às"Jornadas da Laicidade", que ocorrerão em Reggio Emilia entre os dias 15 e 17 de abril, às quais se recusaram a participar os 15 cardeais que convidamos e nas quais o senhor poderá discutir com ateus não "patos mancos" como come Savater, Hack, Odifreddi, Giorello, Pievani, Luzzatto e, bom último, o subscrito.
Se, depois, a sua agenda não lhe permitir acolher este convite, proponho-lhe organizar juntos, o senhor e eu, uma série de confrontos nos tempos e lugares que o senhor julgar oportunos. Devo, porém, dizer-lhe, com toda a franqueza, que não consigo libertar-me da sensação – nos últimos anos empiricamente consolidada – de que o "diálogo" que o senhor teoriza quer, ao contrário, evitar o próprio confronto com o ateísmo italiano mais consequente.
Sítio francês do Pátio dos Gentios.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Inquérito Nova Evangelização (5) - José Manuel Pureza

Todo o apoio às pequenas comunidades de referência e de testemunho

José Manuel Pureza, 52 anos, professor universitário

1 – Creio que seria importante distinguir dois níveis de “experiência religiosa” (e referir-me-ei apenas ao cristianismo) para efeitos desta resposta. O primeiro é o da experiência pessoal. Aí, as grandes transformações sociais das últimas décadas terão provocado a evidência de fragilidades na cultura teológica e no relacionamento entre fé, ciência e sociedade. A condição crente tem vindo a ser desafiada a sacudir de si a carga de filiação num colectivo de verdades apodícticas e a assumir-se cada vez mais como imitação da vida de Jesus. O segundo nível de avaliação refere-se à experiência comunitária. E aí creio que se regista uma polarização entre uma reacção conservadora, que ensaia um regresso a uma visão “forte” da linguagem religiosa contra um suposto "deserto interior"- e daí o discurso d'"A verdade contra o relativismo" - e uma reacção de abertura aos diálogos difíceis no pressuposto de que a laicidade é um pilar de emancipação inultrapassável.

2 – Só pode fazer essa leitura através de uma observação participante plural e nunca a partir de uma posição de exterioridade ou de superioridade catedrática. Quem joga à defesa dificilmente vê marcas de Deus porque está mais preocupado/a em identificar contra-sinais. Há na Igreja uma nostalgia incompreensível dos "gloriosos tempos" da Acção Católica e de outros movimentos de massas como se este tempo de pós-cristandade estivesse despido de canais de detecção do fluir da realidade e da sua mutação permanente.

3 – A expressão “nova evangelização” é pastoralmente datada e tributária de um espírito de “reconquista” de uma hegemonia cultural perdida. Nesse sentido, acho que é uma lógica carregada de equívocos. As dinâmicas de secularização convocam, em termos definitivos, a um espírito de despojamento dos cristãos relativamente ao mundo e de estima pelo pluralismo a todos os níveis. Evangelizar no sentido de marcar as realidades a acontecer com o espírito libertador de Jesus é uma tarefa que dispensa bem todo o saudosismo de uma Igreja a marcar institucionalmente (e ideologicamente) a agenda do debate público.

4 – Em boa parte do seu discurso público, tem. A redução do espaço da decisão ética pessoal e colectiva é, aliás, uma das marcas de desajustamento da Igreja relativamente aos nossos tempos plurais. Isto dito, não pode deixar de se sublinhar a importância (positiva) que dou ao pronunciamento público de vozes da Igreja a respeito de questões como a guerra e a paz ou a assimetria de oportunidades em escala planetária ou o universo do trabalho e dos direitos sociais - aí, o questionamento ético de orientações sociais e políticas dominantes tem tido um papel muito relevante.

5 – Toda a prioridade à “desadministrativização” da organização das comunidades. Todo o apoio às pequenas comunidades de referência e de testemunho. E todo o investimento no serviço desinteressado aos mais pobres. Com a linguagem do mundo, para que o mundo a possa entender.
(Foto copiada daqui)

domingo, 20 de março de 2011

Bento aborda o humor na Quaresma; Anselmo fala dos "bispos cristãos"

Texto de Bento Domingues no "Público" de 20 de Março.



Texto de Anselmo Borges no DN de 19 de Março de 2011.
Causou alguma admiração tanto interesse dos media, aquando do 75.º aniversário do patriarca de Lisboa, José Policarpo, e do seu pedido de resignação, sendo seguro que o Papa lhe concederá mais dois anos. Mas, afinal, o móbil dos media pareceu ser, mais do que fazer um balanço, por todos considerado positivo, a curiosidade quanto ao sucessor.
Ler mais aqui.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Crucifixo nas salas de aula não viola liberdade religiosa

Ontem escrevia-se neste blogue que Joseph Weiler foi o advogado das nações lideradas pela Itália no recurso para poderem continuar a ter crucifixos nas salas de aula das escolas públicas (aqui). Hoje foi divulgado o resultado do recurso.

Em 2009 o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) condenou o Estado italiano por entender que os crucifixos constituem “uma violação ao direito dos pais em educar os filhos segundo as próprias convicções" e uma "violação à liberdade religiosa dos alunos" ("caso Lautsi"). Agora o TEDH anulou a condenação, considerando que esta é uma decisão da responsabilidade de cada Estado. Pode não corresponder à argumentação do judeu Joseph Weiler, pelo menos segundo a entrevista que deu, mas era esse o resultado pretendido. Notícia da Agência Ecclesia e acórdão do TEDH aqui.


O mesmo Weiler participou na quarta-feira num seminário acolhido pelo Parlamento Europeu sobre intolerância e discriminação contra cristãos. À Rádio Vaticano afirmou o seguinte: “Aquilo que eu acho mais chocante não é o facto de haver discriminação, ódio, cristianofobia, mas que estas coisas sejam aceites, que não haja protestos, que este seminário seja um dos primeiros eventos deste género”. Li aqui.

Luís Miguel Cintra lê o "Cântico dos Cânticos"

«Que ele me beije com beijos da sua boca!
Melhores são as tuas carícias que o vinho,
ao olfato são agradáveis os teus perfumes;
a tua fama é odor que se difunde.
Por isso te amam as donzelas».

Assim abre o livro "Cântico dos Cânticos", da Bíblia, que o actor e encenador Luís Miguel Cintra, do Teatro da Cornucópia, vai ler na Capela do Rato, em Lisboa, neste domingo, 20 de Março, pelas 21H30. A entrada é livre.
"O Cântico dos Cânticos é um dos poemas mais antigos da humanidade, considerado um dos tesouros dessa biblioteca que é a Bíblia judaico-cristã. A sua natureza erótica não impediu que seja o texto bíblico mais lido e comentado pela mística ocidental", salienta o site da Pastoral da Cultura, que difundiu a informação.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Um judeu que não quer ser absolvido da morte de Jesus


Joseph Weiler é o advogado de defesa de um grupo de nações, lideradas pela Itália, que recorreu da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que dizia que os crucifixos nas salas de aula italianas violavam a liberdade religiosa (o recurso ainda não obteve resposta). É um dos maiores especialistas em direito constitucional europeu. Na questão dos crucifixos, argumenta que
remover a cruz é algo realmente iliberal. Permitir a cruz é a posição liberal, a posição pluralista, porque a Europa tem tanto uma França quanto uma Grã-Bretanha. A França é um Estado oficialmente laico, mas, na Inglaterra, o hino nacional é "God Save the Queen", e a Rainha é a chefe da Igreja da Inglaterra. Toda imagem da Rainha em uma sala de aula britânica é tanto um símbolo nacional quanto religioso. Você poderia dizer que essa é uma grande tradição, que é a Europa autêntica. A posição esclarecida é aceitar uma Europa tanto com a França, quanto com uma Grã-Bretanha, e não afirmar que, como a Câmara fez, que todos têm que ser como a França – ou, neste caso, como os EUA. O que é preciso fazer é capacitar uma potencial maioria a se sentir que está fazendo a coisa certa, que deveriam se orgulhar por isso. Isso não é, de nenhuma forma, antieuropeu, antiliberal ou reacionário.
Acontece que Joseph Weiler é judeu. Nasceu na África do Sul, filho de um rabino da Letónia. “Judeu ortodoxo profundamente fiel”. Deu uma entrevista a John L. Allen Jr., do “National Catholic Reporter”, na qual insiste que a defunta Constituição Europeia deveria ter referido as raízes cristãs.
As pessoas me perguntam um milhão de vezes como um judeu praticante pode defender uma referência às raízes cristãs na Constituição Europeia, e eu digo que, nesse contexto, não sou um judeu praticante. Eu sou um constitucionalista praticante. Sou um pluralista praticante.
Mas a parte mais interessante da entrevista é aquela em que aborda o julgamento de Jesus. Afirma três teses e vale a pena ler a entrevista toda (e confronta-la, por exemplo com o que Bento XVI escreve sobre o mesmo episódio evangélico), porque este resumo é necessariamente limitado:

1. O julgamento de Jesus não foi suficientemente apreciado como o alicerce das sensibilidades ocidentais em relação à justiça.

2. Jesus é a pessoa referida em Dt 13,1-5, que diz que se deve matar o visionário que mostrar sinais e prodígios e (diz a Bíblia, mas não Weiler), mandar seguir deuses estrangeiros, pelo que os judeus (sim, os judeus como colectivo), mataram Jesus, cumprindo a ordem de Deus. “Se Jesus tem que morrer inocentemente, alguém tem que matá-lo injustamente”… obedecendo a Deus. No entanto, não há, no cristianismo, uma teologia do julgamento, o que constitui uma lacuna notável.

3. Houve uma transferência de responsabilidade da cruz para o julgamento. O mesmo é dizer: dos romanos para os judeus. No Vaticano II, a Igreja “desmontou” a responsabilidade colectiva dos judeus na morte de Jesus, desculpabilizando-se  inconscientemente a ela própria, no presente, pela perseguição aos judeus no passado (coisa que João Paulo II, ao pedir perdão pela Igreja, contrariou). Ora Weiler, ao arrepio de tudo, quer manter a responsabilidade colectiva dos judeus.
(…) Eu também não quero ser "absolvido". Temos que diferenciar entre culpa e responsabilidade. Eu quero ser capaz de dizer: "Sim, os judeus levaram Cristo à morte, porque é isso que o Senhor nos ordenou a fazer". Claro, pessoalmente, eu não sou responsável, eu não sou Caifás. Mas, como judeu, eu quero ser capaz de dizer que, quando alguém veio como profeta que operava sinais e prodígios e tentou mudar a lei, nós fizemos o que Deus nos pediu para fazer.
Joseph Weiler está a escrever um livro que deverá estar concluído no final do ano. As teses são muito discutíveis, a começar pelo facto de a questão da responsabilidade colectiva versus responsabilidade individual evoluir ao longo dos tempos bíblicos. E não são inéditas as tentativas de reconstituição moderna do julgamento de Jesus com resultados semelhantes ao verificado nos evangelhos. De qualquer forma, promete debate.

A entrevista pode ser lida aqui em português e aqui em inglês.

terça-feira, 15 de março de 2011

Inquérito Nova Evangelização (4) - Rui Silva Pedro

A secularização faz parte do processo de inculturação da mensagem cristã

Padre Rui M. da Silva Pedro, 49 anos, membro da Congregação dos Missionários Scalabrinianos, missionário de comunidades migrantes na Europa

1 – No mundo plural e “global”, marcado sempre mais pela diversidade religiosa num mesmo território, graças à mobilidade humana de povos e culturas, é possível encontrar em todas as religiões pessoas que, mesmo aparentando grande devoção, observância, fervor, solidariedade e apologética das suas crenças, não demonstram ter chegado a uma madura e libertadora “experiência religiosa”. Em Portugal, sempre mais ecuménico e inter-religioso, professando a liberdade religiosa como conquista da democracia, este fenómeno é também observável quer no seio da maioritária religião católica, quer noutras que padecem da mesma falta de convicção. A Nova Evangelização deverá conduzir a uma experiência pessoal da fé partilhada com a comunidade.

A relação pessoal com Deus, com a transcendência do outro, com os “mandamentos” codificados nas Escrituras, com a ética vai-se tornando-se assunto meramente privado. Segue-se uma vida espiritual(izada), discípula da própria consciência, individual e não inserida na comunidade, Igreja, omissa das consequências práticas e sociais da oração: fonte de toda e qualquer experiência religiosa. Esta tornou-se um facto não observável, sem mediações, alheia, que não seguindo a lei da objectividade assenta em ideias e não práticas, em sentimentos e não regras, em medos e não na memória porque é experiência do homem e não de Deus.

As mudanças de que fala o Santo Padre têm criado no homem de hoje a consciência do “Deus débil” que não exige exclusividade ao seu povo e que parece não ter mais poder sobre a história, a ciência, o universo e coração humano. Para que serve um Deus assim?

O “vazio interior” é uma das numerosas expressões da busca solitária, fragmentada e frustrada do homem hodierno empenhado em procuras “sensuais”, “psicológicas” e “desalinhadas”, com aparência de espiritualidade, onde Deus nunca habitou, mas por onde, nos modernos olimpos, veraneiam deuses ociosos e manipuláveis porque criados por mão humana.

Nas religiões monoteístas, como fruto das mudanças civilizacionais em acto, parece que a beleza da salvação se encontra apenas em percursos alternativos de espiritualidades desincarnadas, não institucionalizadas, e em militâncias subjectivas sem “sinais”, sem “ritos”, sem “templos” nem “pobres” que, desde sempre, são a via de familiarização do homem com Deus e suas alianças reveladas ao povo na historia.

2 – As mudanças culturais e transformações sociais não param. Elas vão acontecendo com uma rapidez impressionante ao ponto de provocar nas nossas estruturas de leitura (permanentes, como universidades e hierarquias, ou carismáticas, como as congregações religiosas e movimentos laicais) um desajuste e adiamento nas suas respostas pedagógicas, económicas, sociais, técnicas e religiosas.

Muitas vozes em muitos continentes têm apresentado suas leituras e decifrado os sinais de Deus no clamor de quem sofre e na beleza de quem acredita. Porém, mesmo se todas são ouvidas, nem todas são acolhidas, algumas são até silenciadas. No entanto, há que continuar a alfabetizar as comunidades para que todos aprendam a ler os sinais na co-responsabilidade baptismal.

Em geral, as hierarquias religiosas são óptimas nos diagnósticos, nas análises, na crítica, até política, mas insuficientes na terapia, na prática consequente, na proposta concreta. As respostas têm de ser por natureza e fidelidade à mensagem, respostas comunitárias em que todos, animados pela Palavra e pelos valores do Reino, religiosos e leigos participem no inteiro processo.
Desde o Vaticano II, autêntico “sinal dos tempos”, muitos outros “sinais” foram individuados na história como apelos de Deus à “conversão” das pessoas e das estruturas. Alguns foram mediatizados pela boca de iminentes teólogos, mas a Igreja adiou o debate sobre a leitura eclesial dos sinais, acomodando-se numa cristandade em declínio, reproduzindo modelos.

A secularização sempre acompanhou a relação do sagrado com o profano ao longo dos tempos. É uma lei do diálogo religião-mundo, Igreja-sociedade. O próprio Jesus secularizou uma certa ideia de Deus em voga no seu tempo, nos templos da altura, como também uma certa forma de viver a Lei e os Mandamentos. Ele revelou e ensinou caminhos novos para o homem se relacionar bem com Deus e com o próximo. E fê-lo, sem anular a interligação intrínseca que existe entre o sagrado e a vida, pois não há vida, nem cultura sem transcendência. Jesus segredou a todos que a felicidade é auto-transcendência mediante o amor e as bem-aventuranças.

A secularização faz ainda parte do processo de inculturação da própria mensagem cristã simplificando e emancipando símbolos, linguagens e costumes de determinada cultura para atingir uma nova expressão – purificada e evangelizada – dos conteúdos da fé, de forma mais acessível e compreensível para os homens de um particular contexto, tempo e situação.

3 – Missão “ad gentes” é o que fazem hoje os missionários sacerdotes, religiosas e leigos cristãos no norte de África ou no Vietname, testemunhando o Evangelho numa cultura que o desconhece. Evangelização é o que faz o nosso pároco, com seus colaboradores leigos, na paróquia transmontana ou açoriana ou o capelão junto de uma prisão, colégio, quartel, comunidade migrante ou hospital, apresentando propostas de formação, espiritualidade e solidariedade a pessoas já baptizadas ou familiarizadas com a cultura cristã. Missão “inter gentes” é uma expressão também hoje usada, mas ainda não assumida, para definir a missão da Igreja em contexto intercultural, inter-religioso e agnóstico onde, sem partir para Índias longínquas, no mesmo território paroquial, mas fora do templo, pessoas tão diferentes convivem e dialogam sobre a vida e religião.

Nova Evangelização (NE) é um pouco daquilo que, seguindo o exemplo de Paris (2004) e Viena (2003) e, depois, em Bruxelas (2006) e Budapeste (2007), se tentou fazer em Lisboa em Novembro de 2005 com o ICNE (Congresso Internacional da Nova Evangelização): repropor com ousadia missionária, criatividade inteligente e simplicidade apaixonada, o Evangelho na rua, na praça, na empresa, no bairro, na cidade. Provocou-se o encontro, o diálogo, o questionamento e a surpresa a pessoas que vivem numa sociedade laica, mas marcada por símbolos e tradições católicas. Não houve fugas, mas confronto sadio, aberto e tolerante.

O ICNE, no qual participei, foi a meu ver um bom ensaio para o próximo Sínodo. Mas, mais uma vez, para ir além da agenda de eventos apoiados por elites criativas, e conseguir atingir a massa, dando visibilidade ao inédito evento foi necessário, mais uma vez, recorrer ao tradicional: à procissão. A caminhada popular com a imagem de Nossa Senhora de Fátima pelas avenidas de Lisboa foi o evento que mobilizou mais gente e mediatizou decididamente o congresso. Mais um sinal a interpretar...

4 – A Igreja proclama sempre mais a Pessoa de Jesus, o Cristo do Evangelho e o Cristo experimentado por muitos santos e santas da história, mas ainda é comum o povo ficar-se pela moral da história. O próprio modo como a Igreja, ainda muito refém do direito e de uma certa teologia, lida com situações novas de irregularidade vividas por um número crescente de cristãos, parece não seguir aquela prática misericordiosa e libertadora praticada por Jesus Cristo para admiração de muitos e salvação de todos. Acredito que só favorecendo o encontro com Cristo na comunidade que acolhe sem julgar, que se compadece sem discriminar, cada um poderá fazer experiência de um encontro libertador com Cristo que, por sua vez, o envia a anunciar a dádiva e perdão recebidos. São precisos novos anunciadores que passem pelo crivo do perdão doado em Jesus Cristo e o “experimentem” na vida atribulada dos novos pobres de hoje.

A “Nova Evangelização” pretende basear-se mais na transmissão e partilha de um testemunho, na narração da própria experiência religiosa a partir do encontro com Cristo no mundo do que na comunicação de uma doutrina, moral ou vida devota.

5 – A Evangelização sempre procurou ensaiar formas velhas e novas para atingir as pessoas na sua particular situação de vida, de maneira a que a mensagem se incarne na vida da pessoa ou grupo e seja sentido o significado e urgência da proposta. Em Portugal, tem acontecido este processo que, a meu ver, encontra a sua fórmula ideal na Acção Católica e nos movimentos eclesiais, hoje imprescindíveis para a Nova Evangelização. Além dos movimentos eclesiais, pensemos também nos métodos aplicados na catequese infantil e de adultos, na linguagem usada nas aldeias rurais e nas cidades e suas periferias, no mundo do trabalho e solidariedade social... Uma diversidade de linguagem adaptada a idade e situação, mas que, mesmo assim, não tem levado a uma forte experiência de Deus e do outro. Os métodos repetem-se, transportam-se de um lado para outro, e até se importam de outras igrejas... mas, permanecem fragmentados sem duração no tempo, como exige a boa pedagogia para garantir continuidade no crescimento.

Uma prioridade para a Igreja em Portugal é aquela de conseguir definir finalmente um plano pastoral para todas as dioceses. De modo a que, partindo de uma leitura conjunta, se desenhe um caminho comum, participado por todos, com vista a garantir a unidade de acção ao redor de iguais prioridades, solidárias na fidelidade das metas a alcançar, intercambiando diversificados recursos, itinerários e pessoas, avaliando periodicamente métodos, estratégias e resultados. Passa por aqui a catolicidade da Igreja: ser universal no particular sem que o particular ponha em causa o bem comum, isto é, uma “Nova Evangelização” que cative e apaixone todos na sequela de Cristo.

(Foto António Marujo)

Ratzinger repórter e comentador do Concílio

Num jogo de adivinha, seria interessante perguntar a quem poderiam pertencer as afirmações seguintes, feitas a propósito dos debates em torno do Concílio Vaticano II:
Poderíamos, assim, formular a pergunta básica que estava por detrás de todas estas discussões: a Igreja deveria agarrar-se a esta atitude mental antimodernista, prosseguir na linha do isolamento, da condenação, da defensiva, até à rejeição quase angustiada da novidade, ou deveria antes, após definir os limites necessários, abrir uma nova página e, de uma forma positiva, ir ao encontro das suas origens, dos seus irmãos, do mundo de hoje? O facto de uma maioria tão signficativa se ter pronunciado a favor da segunda alternativa conferiu ao Concílio um novo começo. Tornou-se mais do que apenas a continuação do Concílio Vaticano I. Porque quer Trento quer o Vaticano I estiveram orientados para um movimento que visava isolar, securizar, delimitar, enquanto que o presente Concílio, partindo daquilo que já havia sido feito, virou-se para uma tarefa nova.
Poderá a alguns, menos conhecedores da trajectória do actual Papa, parecer estranho que tenham sido escritas pelo então padre, teólogo e perito conciliar Joseph Ratzinger. Mas são. E não são das mais 'ousadas', se podemos considerar ousado quem se deixou possuir pelo espírito de abertura e de renovação que varreu a Igreja Católica naquela célebre década de 60, aberta pelo gesto profético de João XXIII.
Já era conhecido que aquele que é hoje Bento XVI escreveu e publicou no seu país de origem um conjunto de quatro extensos relatos e comentários sobre as quatro sessões do Vaticano II, nas quais chega a criticar a rigidez da Cúria romana e a defender uma reforma das estruturas eclesiásticas. A editora Artège acaba de traduzir pela primeira vez esses textos para francês e de os publicar num livro intitulado "Mon Concile Vatican II".
A revista católica La Vie sumaria os seus pontos principais e oferece-nos, em exclusivo, alguns extractos que podem servir de aperitivo à leitura do livro.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Jesus tem futuro. Na versão de Ratzinger

Texto de António Marujo, no P2 ("Público") de 11 de Março, sobre o mais recente livro de Ratzinger / Bento XVI, com as impressões de Joaquim Carreira das Neves, Tolentino Mendonça, Pedro Mexia e D. Manuel Clemente. Também aqui.


Inquérito Nova Evangelização (3) - Joaquim Carreira das Neves

O desejo de preencher o “vazio” existencial

Joaquim Carreira das Neves, 76 anos, padre franciscano, exegeta bíblico

Retenho que a expressão “nova evangelização” pode ser admitida a partir do pressuposto que há “novos paradigmas” culturais na sociedade em que vivemos. Para “novos paradigmas” exige-se “nova evangelização”. Como dizia Jesus: “Não se pode meter vinho novo em odres velhos”. De qualquer modo, há sempre uma ambiguidade por causa do termo “evangelização”. Trata-se de um termo abstracto radicado num substantivo concreto: evangelho.

O evangelho não é um livro, mas uma “proclamação”. Proclama-se aquilo que o Papa diz ser “um acontecimento”. Não se trata, pois, de uma ideia, uma doutrina, uma ética, mas de um “encontro com um acontecimento”. Semelhante acontecimento é causado ou proporcionado por uma pessoa – a pessoa de Jesus que, no dizer do Papa, dá à vida um novo horizonte e, com isto, a orientação decisiva.”

Esta maneira de proclamar já é, em si mesma, muito diferente das nossas catequeses formais. Não há, assim, qualquer proclamação contra nada nem contra ninguém. Nem contra protestantes, judeus, islâmicos, ateus, ciência, evolucionismo. Há, simplesmente, o desejo de preencher o “vazio” existencial, próprio do ser humano. Mas, também aqui, há que considerar a ambiguidade deste “vazio”. Nas sociedades modernas e democráticas contactamos com pessoas que preenchem este “vazio” com a cultura, a ciência, a liberdade. São respostas sem religião que devemos considerar e respeitar.

Prometo continuar a reflectir convosco sobre esta temática.

(Foto copiada daqui)

domingo, 13 de março de 2011

Bento reflecte sobre as virtudes; Anselmo aborda o novo livro do Papa


Em cima, texto de Bento Domingues no "Público" de hoje.
Ontem, Anselmo Borges escreveu no DN sobre no novo livro do Papa.

Foi ontem posto à venda, em várias línguas, o volume II da obra sobre Cristo, de Joseph Ratzinger/Bento XVI: Jesus de Nazaré. Da Entrada em Jerusalém até à Ressurreição, condenado, como o primeiro, publicado em 2007, a ser um best-seller.
Os media já tinham tido acesso a excertos, e destacaram sobretudo a afirmação de que não foi "o povo judeu enquanto tal" a insistir que Jesus fosse condenado à morte, mas "o círculo das autoridades sacerdotais e o grupo dos apoiantes de Barrabás".
Agora, com o livro todo disponível, pergunta-se: qual é a sua tese central? 
Ler mais aqui.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Inquérito Nova Evangelização (2) - Ana Vicente

Uma Igreja com outra linguagem, na busca de fidelidade à mensagem evangélica

Ana Vicente, 68 anos, investigadora, membro do Movimento Internacional Nós Somos Igreja

Quatro comentários:
A) Estas transformações consistem num desafio à experiência religiosa pois, como é evidente, esta também é marcada por todas as transformações sociais. Mas começo por me interrogar sobre a necessidade de utilizar a palavra NOVA, sempre perigosa porque, parecendo mobilizar energias, rapidamente se torna caduca. Quem não se lembra dos Novos Dicionários do século XIX que jazem nas prateleiras, e de tantos outros Novos, sem esquecer o Estado Novo.

Muito preferia ver a utilização de outra linguagem por parte da Igreja-instituição, numa busca de fidelidade à mensagem evangélica original e simples. Depois não vejo como é possível fazer algo de NOVO com estruturas completamente obsoletas. A Igreja-instituição precisa de se transformar ela própria antes de partir para qualquer horizonte de “nova” evangelização.

Não é possível com uma estrutura altamente hierarquizada, exclusivamente masculina e celibatária, ao nível da tomada de decisão, ou seja ao nível do poder real, crer que os povos, crentes nesta ou naquela expressão religiosa ou agnósticos ou ateus, possam dar ouvidos a um discurso advindo de uma instituição que está tão em contradição com a mensagem de Jesus – inclusiva, universal, de amor, de paz, de respeito pela consciência individual, de misericórdia, de compaixão. Estrutura essa que viveu e continua a viver a tragédia da prática do abuso sexual, físico e psíquico, por parte de sacerdotes (e algumas freiras) e que ainda muito pouco fez para que esses abusos nunca mais possam ocorrer. Estrutura essa que continua a perseguir teólogos e teólogas que “eles” consideram perigosos porque procuram caminhos diferentes. Que continua a desejar que as leis penais civis condenem criminalmente as mulheres que fazem um aborto mas pouco parecem agitar-se com o facto de que, em cada seis segundos, morre uma criança, já nascida, de fome.

B) A secularização é uma das boas notícias do século XX, e como sempre a Igreja-instituição andou a reboque, a protestar, a condenar, até que percebeu que não só não poderia reverter a necessidade absoluta de separação da Igreja e do Estado (de que a secularização é filha), como que esta até lhe poderia ser benéfica.

O que muitos clérigos condenam na secularização significa apenas que agora as populações agora mais cultas e pensantes já não aceitam receitas fáceis e acríticas e não fundamentadas (proibição do uso de contraceptivos por exemplo) emitidas por essas vozes clericais. As marcas de Deus estão cada vez mais presentes no mundo secular – procura intensa da igualdade entre todas as pessoas, igualdade de direitos e de deveres, mulheres, homens, crianças, diferentes orientações sexuais, capacidades, idades, respeito por toda a criação, direitos dos animais, protecção da natureza, paz, ética na política (teria evitado Khadafi no poder durante 40 anos alimentado a nível de armamento pelo ocidente), justiça nacional e internacional (Tribunal Internacional de Justiça); ética na economia e nas finanças, etc., etc.

C) A instituição-Igreja tem estado muito afastada da pessoa de Jesus Cristo, afastada das fontes de espiritualidade, da comunhão universal e individual com Deus e com o próximo. E quem é o meu próximo?

D) A instituição-Igreja, em Portugal, poderia procurar que em cada diocese/paróquia/comunidade houvesse sínodos (já não exclusivamente constituídos por homens ordenados celibatários, que objectivamente excluem não só as mulheres como o Povo de Deus no seu geral, os agnósticos e os ateus, como vai ser o caso em Roma) compostos e dinamizados por quem manifestasse vontade para tal e deixar soprar o Espírito, sem medo. Seriam esses a apontar caminhos de presente e de futuro.

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quinta-feira, 10 de março de 2011

Inquérito Nova Evangelização (1) - Guilherme d'Oliveira Martins

Nova evangelização, expressão legítima numa sociedade aberta e consciente da importância dos valores espirituais

Guilherme d'Oliveira Martins, 58 anos, presidente do Centro de Reflexão Cristã

1. As transformações sociais têm uma influência indiscutível na experiência religiosa. Há pouco tempo, Gianni Vattimo chamava, por exemplo, a nossa atenção para o facto de os desafios europeus perante os quais se encontra a Igreja Católica serem diferentes dos que ocorrem na América do Sul ou em África - apesar das complementaridades. Há virtualidades que devem ser consideradas, como o diálogo, cada vez mais fecundo, entre a religião e a ciência ou entre a fé e a razão, não devendo esquecer-se a comunicação entre as diferentes culturas, num momento em que a cultura da paz exige um esforço acrescido de diálogo entre as religiões.

2. A secularização é um sinal dos tempos, como tem sido salientado pelo pensador canadiano Charles Taylor. Essa circunstância obriga a que haja novas respostas por parte da Igreja Católica e das diversas religiões, de modo a impedir o clericalismo e anti-clericalismo ou o laicismo dogmático como factores de empobrecimento espiritual e social. A laicidade, sem adjectivos, é um sinal de maturidade e de enriquecimento para as sociedades contemporâneas - envolvendo a liberdade religiosa e o respeito pelas convicções religiosas, como salientou o Concílio Vaticano II.

3. Nova evangelização é uma expressão legítima, que pode ser útil, desde que inserida numa sociedade aberta e consciente da importância dos valores espirituais. Pode ser uma estratégia de comunicação, mas mais do que isso deve corresponder fundamentalmente a uma tomada de consciência sobre a importância do fenómeno religioso (como tem sido salientado por personalidades tão diferentes como Umberto Eco e Regis Debray).
Para os cristãos, o Evangelho de Jesus Cristo deve corresponder à procura de compreensão e desenvolvimento numa sociedade assente na dignidade universal da pessoa humana. A complexidade actual obriga a agir em vários campos da sociedade. A pastoral do amor e do cuidado (caritas, caridade) deve orientar-se para a sociedade plural e diversa, segundo a especialização e a compreensão das diferentes vocações e serviços. Hoje o Ver, Julgar e Agir tem de se adequar a uma realidade heterogénea caracterizada pelos progressos alcançados na educação, na cultura e na ciência, na economia e na sociedade. Daí a necessidade de uma pastoral inteligente, diversificada, assente na sabedoria e na experiência do amor.

4.Uma decisão ética para os cristãos tem de se basear sempre na Pessoa de Jesus Cristo e na dignidade universal da pessoa humana. O que está em causa é a responsabilidade para com o outro, de que fala Lévinas, bem como a preservação do pluralismo e do respeito mútuo entre todos. Não podemos esquecer, assim, que a ética da convicção e a ética da responsabilidade, de Max Weber, se ligam intimamente, referindo-se também ao fenómeno religioso - mesmo que o mínimo ético seja na essência cívico.

5. Como já disse, não há (não pode haver) uma única fórmula de acção para as diferentes circunstâncias - disso não pode haver dúvidas. O melhor método terá de passar sempre pela lógica do fermento na massa ou do grão de mostarda. Como diz o Salmo 24: "Todos o caminhos do Senhor são graça e fidelidade para aqueles que guardam sua aliança e seus preceitos".

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Apagar Deus das notas de dólar?


O Supremo Tribunal dos EUA recusou a tentativa de retirar a frase “In God we trust” (“Em Deus confiamos”) das notas e moedas de dólar. A  acção foi interposta pelo advogado Michael Newdow, que sustenta que a frase é discriminatória ao promover uma religião monoteísta.
Newdow dirige associação de ateus FACTS e considera que a discriminação contra os ateus é similar à que sofreram noutros momentos da história dos EUA as mulheres, os homossexuais e os negros.
De certo que muitos cristãos não se importariam nada com a eliminação da inscrição, embora as sondagens digam que 90 por cento dos norte-americanos concordam com a alusão a Deus.

A notícia veio na BBC e no Religión Digital.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Nova Evangelização - um inquérito no Religionline

O Papa Bento XVI decidiu dedicar ao tema da Nova Evangelização o Sínodo dos Bispos católicos de 2102, cujas Linhas de Orientação, ou "Lineamenta", acabam de ser divulgadas, no passado dia 3 de Março (sobre esse documento, já aqui se publicou um texto). Recentemente, o Papa criou também o novo Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização. E, em Portugal, a Conferência Episcopal decidiu lançar um processo para "Repensar Juntos a Pastoral" que procura dinamizar movimentos e grupos católicos na proposta de novos dinamismos para a Igreja.

Tendo estas motivações como pano de fundo, o Religionline promove, a partir de hoje, um inquérito sobre o tema da Nova Evangelização, expressão que tem ganho notoriedade no discurso católico das últimas três décadas. Pretendemos, deste modo, trazer ao debate um conjunto de questões que têm a ver com a presença do religioso e, concretamente, da experiência católica na sociedade portuguesa.

São cinco perguntas, que submetemos a um leque alargado de pessoas sensíveis à relação do catolicismo com a sociedade e cujas respostas irão sendo publicadas durante os próximos meses.

Começamos a publicação das respostas nesta Quarta-Feira de Cinzas, dia litúrgico que no calendário cristão marca o início da Quaresma, tempo que antecede e prepara a Páscoa e que os cristãos dedicam à revisão de vida.

AS PERGUNTAS DO INQUÉRITO:

1 - No decreto de criação do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização, o Papa refere as "transformações sociais" das últimas décadas e as suas causas complexas: progressos da ciência e da técnica, ampliação dos espaços de liberdade, mudanças económicas, miscigenação étnica e cultural, interdependência entre os povos. Que consequências tiveram estas transformações sociais na experiência religiosa? Só o "deserto interior" de que fala o Papa nesse texto?

2 - Como é que a Igreja pode fazer uma leitura dos sinais dos tempos de modo a acolher as marcas de Deus que estão presentes na sociedade? A secularização pode ser vista como um sinal dos tempos? De que forma?

3 - A expressão "nova evangelização" tem-se prestado a vários equívocos e a interpretações diversas. Tem sentido utilizá-la? Como poderia ser definida? Deve ser vista apenas como uma forma de a Igreja sair das suas crises ou também como desafio a repensar-se a estrutura eclesial?

4 - Também no decreto de criação do Conselho, o Papa cita a sua primeira encíclica, Deus Caritas Est: "No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, com isto, a orientação decisiva." A Igreja não tem estado demasiado centrada numa "decisão ética" reduzida a uma moral ou em questões de disciplina e de regras internas e, menos, na Pessoa de Jesus Cristo?

5 - O Papa diz que falar de "nova evangelização" não implica que haja "uma única fórmula igual para todas as circunstâncias". A Conferência Episcopal Portuguesa lançou um debate sobre estratégias e métodos de evangelização para concluir em 2011. Neste quadro, que "fórmulas" deveriam ser encontradas para Portugal? Que prioridades e com que linguagem?

terça-feira, 8 de março de 2011

Bento e Anselmo

Texto de Bento Domingues no "Público" do domingo passado, 6 de Março... 
...E de Anselmo Borges no DN de sábado, 5 de Março.
Continuo a reflexão da semana passada sobre as religiões mundiais. Hoje, sobre as religiões proféticas, abraâmicas, monoteístas.Em primeiro lugar, o judaísmo. Quantos cristãos se lembram de que Jesus era judeu e de que os primeiros discípulos também? Não se pode esquecer o que há de comum entre judaísmo e cristianismo. Também o cristão acredita em um só Deus, o Deus criador e consumador do mundo e da história, em quem o homem pode, com razões, pôr a sua confiança. Também aceita a Bíblia Hebraica ("Antigo Testamento") e reza os Salmos. Também o cristão está vinculado por uma ética da justiça e da promoção da paz, na base do amor de Deus e do próximo. Como disse Thomas Mann, referindo-se aos Dez Mandamentos, eles são "manifestação fundamental e rocha da decência humana", "o ABC da conduta humana". Ler mais aqui.

segunda-feira, 7 de março de 2011

"Assim começou o Cristianismo"

O site Religión Digital acaba de publicar uma entrevista com Rafael Aguirre, que é sacerdote, professor de Teología en Deusto, perito em ética e que acaba de coordenar a edição do livro colectivo "Así empezó el Cristianismo" (Ed. Verbo Divino).
É interessante conhecer estes tempos inaugurais e constitutivos, para perceber melhor a actualidade e alguns dos seus desafios. Aqui está o vídeo, no YouTube:


Algumas ideias mais salientes:

  • "El Cristianismo de los orígenes era bastante más plural que el Cristianismo de nuestro tiempo. Ya en los orígenes apareció como un movimiento muy plural".
  • "Desde el punto de vista de los seguidores de Jesús, van construyendo la Iglesia (Ecclesia), lo que ocurre que desde el comienzo ya se va utilizando el término cristianismo. Ecclesia es el grupo de los que se dicen seguidores de Jesús, mientras que el Cristianismo es la cultura que tiene su inspiración en los valores evangélicos y llega al Imperio Romano, y que esto lo realizan mucho antes de contar con el apoyo imperial".
  • "No se puede entender Europa sin entender ese componente esencial, que es el Cristianismo y cómo se forjó. Y desde el punto de vista creyente, la Iglesia ha de volver los ojos a los orígenes, sobre todo en momentos de crisis, para descubrir futuros nuevos.
  • Estamos en ese momento."
  • "En el Cristianismo de los orígenes las comunidades eran enormemente participativas. Era un movimiento muy plural, con gran capacidad de acogida e integración de la diversidad. Encontramos desde la carta a los Gálatas a la de Santiago, y ambas se reconocen, se aceptan. Esta capacidad de aceptación de la diversidad es una de las grandes lecciones que tenemos que aprender en la actualidad."
  • "Encontramos [en los orígenes] inspiración y posibilidades que no se desarrollaron. Por ejemplo: un protagonismo muy notable de la mujer, que se constata en los Evangelios y en las cartas de Pablo. Quizá ese es un elemento que la Iglesia debe desarrollar en profundidad."
  • "Todo lo que sea el diálogo franco y sincero con la sociedad es absolutamente necesario. Este Papa está muy preocupado con el diálogo con la cultura europea, y es legítimo. Pero el Cristianismo tiene que dialogar con otras culturas en el mundo globalizado. Y pienso especialmente en Asia. Que la Iglesia más que madre y maestra, se considere hermana de la Humanidad, que camina fraternamente con la Humanidad. La Iglesia tiene algo que decir, no lo oculta, lo propone, pero también tiene mucho que aprender. Tiene que tener capacidad de escucha para legitimar su capacidad de propuesta. El diálogo no es una simple estrategia para "vender" nuestra mercancía. Cuando nosotros dialogamos porque estamos convencidos de que tenemos que aprender. Eso no es debilidad de nuestras convicciones, sino la limitación de nuestros horizontes."
Ler o texto integral: AQUI.

sábado, 5 de março de 2011

Músicas que falam com Deus (11) - Em Torno de João Rodrigues Esteves


A vida de João Rodrigues Esteves é mal conhecida, mas a sua obra está ao nível do que melhor se fez em Portugal, no século xviii. 

Nascido cerca de 1690, sabe-se que o compositor esteve em Roma, entre 1719 e 1726, onde recebeu a influência de compositores como Giacomo Carissimi. 

Seria, mais tarde, mestre de música do seminário da Patriarcal, fundado por D. João V. Vários arquivos guardam um total de cerca de 100 composições da sua autoria, escreve Francisco Melo no guião que acompanha o disco. 

Os manuscritos estão datados entre 1719 e 1751. Nessas três décadas, Esteves compôs missas, motetos, hinos, lamentações. 

Entre elas, Francisco Melo, que dirige o Anima Mea desde 2004, destaca a Missa a 8 vozes, o Magnificat e o Stabat Mater. Estas duas últimas peças são executadas neste disco. Depois de, há anos, termos ficado a conhecer o Te Deum de António Teixeira, contemporâneo de Rodrigues Esteves, este disco dá-nos agora a conhecer outro nome incontornável da música portuguesa oitocentista.

Título: Em Torno de João Rodrigues Esteves
Intérprete: Coro Anima Mea; dir. Francisco Melo
Info: coroanimamea@gmail.com

sexta-feira, 4 de março de 2011

Evangelização ou proselitismo?

Acabam de ser divulgadas em Roma, em oito línguas, os Lineamenta ou documentos preparatórios do próximo Sínodo dos Bispos da Igreja Católica, convocado para 2012 pelo Papa Bento XVI e que será dedicado ao tema da "Nova Evangelização" (para ler a versão portuguesa, clicar aqui).
A propósito do "Patio dos Gentios", uma iniciativa de Roma que é uma outra frente deste plano de "nova evangelização", temos procurado introduzir aqui algumas questões em torno dos pressupostos e atitudes subjacentes a este empreendimento. O assunto é de grande importância, porque nele se joga o essencial da relação Igreja-Sociedade e, para recorrer à terminologia evangélica, o modo como a Igreja pretende ser hoje "sal da terra e luz do mundo".
Gostaríamos, de resto, que esta reflexão crítica fosse alargada a um amplo leque de pessoas interessadas e sensíveis a estas matérias, independentemente de se situarem ou não no espaço cristão e católico.
No sentido de alimentar essa reflexão e esse desejável debate, deixamos aqui dois contributos. O primeiro é proveniente dos próprios Lineamenta, que, no seu ponto 5, se refere ao significado da definição de "Nova Evangelização". O segundo é o extracto de um artigo publicado ontem no site do National Catholic Reporter pelo jornalista e vaticanista John C. Allen, justamente a propósito do documento.

1. Nova evangelização: definição
("Lineamenta", nº 5)

"«Nova em seu ardor, em seus métodos, em suas expressões». Não se trata de fazer de novo qualquer coisa que foi mal feita ou que não funcionou, como se a nova acção fosse um implícito juízo sobre o falhanço da primeira. A nova evangelização não é uma duplicação da primeira, não é uma simples repetição, mas é a coragem de ousar novos caminhos, para atender às mudanças de condições dentro das quais a Igreja é chamada a viver hoje o anúncio do Evangelho. (...)
Nesta acepção, o termo é retomado e relançado no Magistério do Papa João Paulo II, dirigido à Igreja universal. «A Igreja deve hoje enfrentar outros desafios, lançando-se para novas fronteiras, quer na primeira missão ad gentes, quer na nova evangelização dos povos que já receberam o anúncio de Cristo. A todos os cristãos, às Igrejas particulares e à Igreja universal, pede-se a mesma coragem que moveu os missionários do passado, a mesma disponibilidade para escutar a voz do Espírito»: a nova evangelização é, antes de mais, uma acção espiritual, a capacidade de assumir, no presente, a coragem e a força dos primeiros cristãos, dos primeiros missionários. É, portanto, uma acção que requer, em primeiro lugar, um processo de discernimento acerca do estado de saúde do cristianismo, o reconhecimento das medidas tomadas e das dificuldades encontradas. O Papa João Paulo II precisará mais adiante: «A Igreja deve dar hoje um grande passo em frente na sua evangelização, deve entrar numa nova etapa histórica do seu dinamismo missionário. Num mundo que, com o encurtar das distâncias, se torna sempre mais pequeno, as comunidades eclesiais devem ligar-se entre si, trocar energias e meios, empenhar-se juntas na missão, única e comum, de anunciar e de viver o Evangelho. “As Igrejas ditas mais jovens — disseram os Padres sinodais — têm necessidade da força das mais antigas, enquanto que estas precisam do testemunho e do entusiasmo das mais jovens, de forma que cada Igreja beneficie das riquezas das outras Igrejas”».
Estamos agora em condições de compreender o funcionamento dinâmico confiado ao conceito de “nova evangelização”: recorre-se a ele para indicar o esforço de renovação que a Igreja é chamada a fazer para estar à altura dos desafios que o contexto social e cultural de hoje coloca à fé cristã, ao seu anúncio e ao seu testemunho, como consequência das profundas mudanças em curso. A Igreja responde a estes desafios não cruzando os braços, não se fechando em si mesma, mas através do lançamento de uma operação de revitalização do seu próprio corpo, tendo colocado no centro a figura de Jesus Cristo, o encontro com Ele, que doa o Espírito Santo e as energias para um anúncio e uma proclamação do Evangelho através de novos caminhos, capazes de falar às culturas de hoje.(...)".

2. Termo que continua a ser difícil de definir
(John C. Allen)

Com toda esta ênfase na "nova evangelização" (...) o termo em si continua a ser difícil de definir. Comummente as perguntas que surgem incluem:
  • É a "nova evangelização" especialmente direccionada para o mundo ocidental, onde a fé tem estado desde há muito em declínio? Ou é uma iniciativa mais ampla, mais global?
  • É basicamente para atrair pessoas para a prática da fé - por outras palavras, para encher as igrejas aos domingos? Ou tem também por objectivo uma renovada capacidade de envolver os grandes temas culturais da actualidade, como o secularismo, o surgimento de uma economia global interligada, novos meios de comunicação e a revolução da biotecnologia?
  • Constitui a nova evangelização em grande parte um esforço dirigido ao exterior e, nesse sentido, como que uma "estratégia de saída" das várias crises e conflitos internos que recentemente minaram o mundo católico? Ou será que também inclui um exame de consciência interno, que se interrogue sobre se não haverá dimensões da vida da Igreja e do seu modo de pensar que representam obstáculos à evangelização?
Os Lineamenta para o próximo Sínodo fornecem respostas parciais a estas perguntas, deixando muito espaço para debate, durante o Sínodo e no mundo católico mais amplo.
Primeiro, os Lineamenta tentam introduzir alguma clareza conceptual. Distinguem três formas de evangelização:
  • A evangelização como uma "actividade regular da igreja" e, portanto, direccionada basicamente para os católicos praticantes;
  • O primeiro anúncio ad gentes, dirigido às pessoas que nunca foram cristãs;
  • Nova evangelização, que é "direccionada principalmente àqueles que se distanciaram da igreja [e] a pessoas baptizadas não suficientemente evangelizadas".
Na realidade, salienta o documento, dada a mobilidade social dos nossos dias e os padrões de migração, muitas vezes estes três grupos vivem no mesmo lugar, e as igrejas locais têm, por conseguinte, de ter estratégias para cada um. Como resultado, diz, pensar segundo critérios geográficos sobre a actividade missionária encontram-se ultrapassados.
"Hoje, cada um dos cinco continentes é campo da actividade missionária", nota.
Apesar desse quadro, no entanto, há pouca dúvida de que a Europa e os Estados Unidos constituem uma preocupação especial no documento - em parte porque é onde se encontra uma parcela bastante significativa dos "cristãos afastados". (...)
Em resposta à questão de saber se a "nova evangelização" diz respeito à transformação do mundo ou a levar mais pessoas para a Igreja, a resposta parece ser: as duas coisas.(...)
Nesse sentido, a "nova evangelização" poderia ser entendida como um esforço para concretizar a visão do cristianismo de Bento XVI como uma "minoria criativa", que não colapsa sobre si mesma.
"A nova evangelização é o oposto de auto-suficiência e de fechamento em si mesmo, da mentalidade do status quo e de uma visão pastoral que considera suficiente continuar a fazer como sempre se fez. Hoje, o “business as usual” já não basta, afirma-se nos Lineamenta.
Como distinguir a evangelização de proselitismo poderia ser precisamente um dos pontos de viragem no debate sinodal, em parte porque é isso que está no âmago de um número crescente de tensões na igreja.(...)"

terça-feira, 1 de março de 2011

Um patriarca da estabilidade, intelectual reconhecido, um homem cansado do cargo


Todos lhe reconhecem um perfil de pensador e de referência na Igreja e no país, por entre críticas a algum esmorecimento da sua acção nos últimos anos. Aos 75 anos, idade-limite para os bispos, é tempo de balanço. Texto de António Marujo no "Público" de 27 de Fevereiro. Ler tudo aqui sobre uma figura que necessariamente tem a ver com o país todo.