segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A democracia deixa de fora quatro em cada dez e não se preocupa com isso

No rescaldo do dia eleitoral de ontem, enquanto os partidos voltam a entreter-se com estratégias, pequenas vinganças e outras coisas virtuosas, vale a pena olhar de novo para os quase 40 por cento de abstenções (39,4 para ser mais rigoroso). Os comentários sobre a abstenção já só servem para entreter os comentários nas televisões entre as 19h e as 20h das noites eleitorais, enquanto se espera para divulgar os resultados das sondagens. Desta vez, acrescentou-se um argumento aos do costume: haverá uma squantas centenas de milhar de eleitores fantasma, talvez a abstenção não seja tanta como parece.

Certo é que a democracia eleitoral está a deixar de fora quatro em cada dez portugueses. Nas europeias foram mais de seis, em cada dez. para os políticos, isto é preocupante - apenas na noite das eleições, claro. Nem de propósito: um inquérito do ano passado, em 17 países europeus, diz que quase 30 por cento dos portugueses não têm qualquer confiança nos políticos e partidos (há mais dados aqui).

Não será que uma das principais causas da abstenção é mesmo essa? E isso não deveria levar-nos a todos (desde logo, aos partidos e aos políticos) a reflectir e a mudar de hábitos?


O que sabemos sobre a pobreza em Portugal?

Um ano depois de a Leonor Vaconcelos Ferreira nos ter deixado, a Faculdade de Economia da Universidade do Porto organizou uma sessão de homenagem aquela que foi, sem dúvida, uma das mais empenhadas e construtivas investigadoras do fenómeno da pobreza em Portugal. Na Voz Portucalense, jornal da diocese do Porto, há um pequeno resumo do que se passou no dia 19, que aqui se utiliza, um pouco mais sintetizado.

Manuela Silva foi a primeira a intervir. Abordou o novo conceito de pobreza involuntária como violação de Direitos Humanos fundamentais, que “como tal deve ser colocada na agenda política da responsabilidade dos governos nacionais e das instâncias internacionais, a par de outras matérias como a segurança ou a paz”. Observou que a actual crise obriga a repensar o modelo de crescimento económico num quadro mais amplo, “o da sua finalidade última de desenvolvimento humano e sustentável”. Assim, considera que a verdadeira erradicação da pobreza passa pela democratização da economia.

Ana Cardoso, investigadora coordenadora do Centro de Estudos para a Intervenção Social (Cesis), que Loenor Vasconmcelos integrou, apontou alguns desafios da pobreza – implicando uma correcção de certos mecanismos –, situados em 3 níveis:
- Numa concepção holística dos fenómenos da pobreza;
- Numa intervenção no sentido da transformação no modo de funcionamento de algumas instituições;
- Numa intervenção ao nível da tomada de consciência de cada cidadão e cidadã sobre o papel de cada um e de cada uma de nós na sua (re)produção e erradicação.

Manuel Brandão Alves, ex-presidente da Associação Nacional de Direito ao Crédito, falou sobre “O microcrédito como instrumento de robustecimento da economia social”, concluindo que são indispensáveis o empenhamento social e as “múltiplas formas de intervenção, nenhuma se substituindo às outras”.

Nuno Alves, do Banco de Portugal, afirmou que a educação é “um importante factor explicativo da pobreza em Portugal”.

Carlos Farinha Rodrigues, professor e investigador do ISEG-UTL (Lisboa), tentou identificar as principais características da desigualdade em Portugal. Maria do Pilar Gonzalez, professora e investigadora da FEP-UP (Porto), centrou-se nos “Diferenciais salariais de género em Portugal: Contributos de uma análise por grupos etários” e Virgílio Pereira, professor da FLUP-UP, desenvolveu a temática da "Desigualdade, Pobreza e Habitação Social: interrogações sociológicas geradas por uma investigação sobre a cidade do Porto". A encerrar, José Madureira Pinto, da Faculdade de Economia, reflectiu sobre os indicadores sociais.

"Há uma desmesura que nos explica como portugueses"

Presença frequente em programas católicos de televisão ou rádio, D. Manuel Clemente publicou três livros nos últimos meses: “Portugal e os Portugueses”, 1810-1910-2010, Datas e Desafios” (ambos na Assírio & Alvim) e “Um Só Propósito – Homilias e Escritos Pastorais” (na Pedra Angular). Neles trata as artes de ser português, os desafios actuais o país, a relação da Igreja com a cultura.
Nascido em Julho de 1948, o actual bispo do Porto já publicou vários livros como historiador, área em que se formou. Capaz de escrever sobre Manoel de Oliveira ou poesia, literatura ou novas tecnologias, foi o primeiro bispo a publicar uma mensagem no YouTube. E é, desde 2005, presidente da Comissão Episcopal para a Cultura.

A propósito dos três livros, publiquei sexta-feira no Público/Ípsilon, uma entrevista com D. Manuel Clemente que pode ser lida aqui.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Aldeia indígena incendiada no Brasil

O Congresso Indígena Missionário (Cimi), do Brasil, denunciou que na noite de 14 de Setembro um grupo de pessoas não identificadas queimou cerca de 35 casas de indígenas Guaraní Kaiowá, da aldeia Laranjeira Ñanderu, perto de Rio Brilhante (Mato Grosso do Sul). Segundo a informação, divulgada há pouco pelo Serviço Missionário de Notícias, das Obras Missionáriass Pontifícias em Espanha, os indígenas não estavam na aldeia, pois já tinham sido obrigados a sair, dia 11, por ordem judicial.

Os cerca de 130 Guaraní Kaiowá viram, apesar disso, o fogo a destruir as suas casas, enquanto os provocadores do incêndio continuavam amedrontando os índios com automóveis. Apesar de avisado o Ministério Público, a polícia não apareceu.

Um dos líderes Guarani citado pela mesma fonte diz que os indígenas estão profundamente desgostosos com a situação. Para este povo, além da destruição de casas e bens, foram também os espíritos dos que nelas viviam que desapareceram. Também a maioria dos animais morreu. Os indígenas aguardam acampados junto a uma estrada próxima a demarcação da sua terra.

(Aqui pode ler-se sobre o mito guarani da criação, a que alude a imagem reproduzida)

terça-feira, 15 de setembro de 2009

«O Mundo É Grande e a Salvação Está ao Virar da Esquina» vence prémio da Signis no Festroia

Na Ecclesia, Francisco Perestrello escreve sobre o filme que venceu o Prémio da Signis (Organização Católica para o Cinema, Televisão e Vídeo) no Festroia. Aqui pode ser visto um trailer do filme.

A Signis – Organização Católica para o Cinema, Televisão e Vídeo – fez-se representar no Festroia, Festival Internacional de Setúbal, sendo o seu Júri constituído por Teresa Tunay (Filipinas), Maria Eugénia Van-Zeller (Portugal), Alfred Jokesch (Áustria), Douglas Fahleson (Estados Unidos) e Francisco Perestrello (Portugal).
O Júri acompanhou a programação a concurso encontrando diversas obras de qualidade passíveis de serem distinguidas com o seu Prémio. Este, depois da reunião final, foi atribuído ao filme búlgaro (com co-produção da Alemanha, Hungria e Eslovénia) «O Mundo É Grande e a Salvação Está ao Virar da Esquina» («Svetat e Goljam i Spasenie debne Otvsjakade»), do realizador Stephan Komandarev.
O principal valor deste filme reside na excelente relação que se vai construindo entre um avô e um neto, este afectado de profunda amnésia. Como principal forma de contacto contam com o jogo do gamão, que marcou a juventude do neto que com o avô aprendeu os primeiros passos deste difícil jogo. A progressiva aproximação entre avô e neto e o seu contributo para a recuperação da memória é-nos narrada de forma simples e muito intenso, sem qualquer cedência ao melodrama.
O mesmo Júri atribuiu uma Menção Especial ao filme de Lukas Moodysson «Mamute» («Mammoth»), representando a Suécia e co-produzido com a Dinamarca. É um filme bem mais complexo, em que a acção se dispersa pelos Estados Unidos, Tailândia e Filipinas, expondo diversas vertentes da vida social, nomadamente das suas consequências sobre a vida de crianças.

Vaticano avisa contra remédios falsificados para pobres

O arcebispo Zygmunt Zimowski, presidente do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde, denunciou que 50 por cento dos remédios vendidos na África estão falsificados.

Citado pela Zenit, o representante do Vaticano fez esta verificação no congresso mundial da Federação Internacional de Farmacêuticos Católicos, entre 11 e 14 de Setembro em Poznań (Polónia), sobre “A segurança do medicamento: ética e consciência para o farmacêutico”.

A denúncia baseia-se em dados publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Fontes não-oficiais citadas pelo L'Osservatore dizem que, em alguns Estados africanos, 60 por cento dos remédios seriam falsificados, uma percentagem que se eleva 10 pontos nesses países, no caso dos medicamentos contra a malária.

A OMS afirma também que, em muitas regiões do Sudeste asiático e da América Latina, mais de 30 por cento dos remédios são falsos.

“A manipulação e falsificação dos remédios – disse o arcebispo – afectam sobretudo sujeitos em idade pediátrica. Falsos antibióticos e vacinas produzem graves danos à saúde. Há muitas mortes por doenças respiratórias entre as crianças africanas, pois são tratadas com antibióticos falsos [e que são] muito caros.”

Os traficantes, que costumam reproduzir com exactidão as marcas e caixas dos medicamentos, introduzem poucas quantidades de componentes activos em cada unidade, e estes costumam proceder do roubo ou do mercado negro.

Citando a encíclica Caritas in veritate, de Bento XVI, o arcebispo Zimowski considerou que a segurança nos medicamentos é uma das grandes “emergências sanitárias e éticas nos países em vias de desenvolvimento”.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Conversas interrompidas

Na sua crónica deste domingo no Público, frei Bento Domingues evoca Raul Solnado, M.S. Lourenço e Ted Kennedy. Três memórias fundamentais a reter num texto sentido.

1.Quando se chega à minha idade, a morte está sempre a interromper conversas ou a impedir outras que andavam adiadas. Almocei com Raul Solnado no dia anterior à sua entrada no hospital com a promessa de continuarmos os nossos encontros. Em Junho, durante um lanche em sua casa, foi a uma estante, retirou um livro de colaboração – não me lembro do título – e apontou-me um pequeno texto assinado por ele. Estava, ali, o essencial de tudo. Pedi-lhe para o fotocopiar e dar a conhecer. Disseram-me que foi colocado em cima do caixão e teria sido lido, por alguém da RTP, durante o percurso para o cemitério. Não posso deixar de o reproduzir na primeira crónica depois das férias:

“Numa das vezes que fui à Expo, em Lisboa, descobri, estranhamente, uma pequena sala completamente despojada, apenas com meia dúzia de bancos corridos. Nada mais tinha. Não existia ali qualquer sinal religioso e por essa razão pensei que aquele espaço se tratava de um templo grandioso.

“Quase como um espanto, senti uma sensação que nunca sentira antes e, de repente, uma vontade de rezar não sei a quem ou a quê. Sentei-me num daqueles bancos, fechei os olhos, apertei as mãos, entrelacei os dedos e comecei a sentir uma emoção rara, um silêncio absoluto. Tudo o que pensava só poderia ser trazido por um Deus que ali deveria viver e que me envolvia no meu corpo amolecido. O meu pensamento aquietou-se naquele pasmo deslumbrante, naquela serenidade, naquela paz.

“Quando os meus olhos se abriram, aquele Deus tinha desaparecido em qualquer canto que só Ele conhece, um canto que nunca ninguém conheceu e quando saí daquela porta, corri para a beira do rio para dar um grito de gratidão à minha alma, e sorri para o Universo.

“Aquela vírgula de tempo foi o mais belo minuto de silêncio que iluminou a minha vida e fez com que eu me reencontrasse. Resta-me a esperança de que, num tempo que seja breve, me volte a acontecer. Que esse meu Deus assim queira” (Raul Solnado, Um Vazio no Tempo, 2007).

2. Há muitos anos que não consigo separar-me da obra, Os Degraus do Parnaso, de M. S. Lourenço. É, para mim, uma fonte inesgotável. Na sua harmonia literária e filosófica – fruto de uma “fecundação cruzada” – cumpre, de forma admirável, a tarefa de nos levar, pela sua perfeição, até à fronteira do inexprimível e à incapacidade de nos rendermos à crescente “indústria da cultura” e às suas inundações de lixo.

Nesses textos não há, apenas, uma fecundação cruzada de criação literária e de presença filosófica actuante. A ligação entre religião e literatura é omnipresente: sustenta que "o artista verdadeiro é aquele que alcançou o conhecimento verdadeiro, o qual consiste na percepção da realidade sensível e na intuição da realidade inexprimível. A aura que rodeia o artista verdadeiro é um efeito do Sopro divino".

Depois de marcar a diferença entre o processo científico e o literário na procura da verdade e de concluir pelo valor cognitivo da experiência simbólica da obra de arte, enfrenta a questão das fronteiras entre a Literatura e a Religião: “Tenho defendido a ideia de que o culto religioso não existe incondicionalmente e que a expressão da experiência religiosa é condicionada pela formulação literária que a descreve, uma vez que esta é o veículo da asserção religiosa. O passo de São João segundo o qual o princípio é o Logos é assim interpretável como exprimindo a ideia segundo a qual o Logos, a fórmula, é a linguagem universal e, portanto também, a da Religião e do seu culto. Assim o problema da verdade da Religião reconduz-se ao problema da verdade das fórmulas da literatura subjacente. Uma doutrina religiosa é apenas tão verdadeira quanto o for a fórmula literária que a transmite".

A última vez que falei com M. Lourenço ao telefone, não lhe exprimi, apenas, a minha admiração pela sua “cultura da subtileza”, mas também o desejo de a ver contrariar, de forma activa, a mediocridade da nossa cultura católica. Era uma conversa adiada para quando me mandasse a obra completa, em processo de publicação na Assírio & Alvim. Agora, espero que o Sopro divino que o habitava não me abandone até ao novo encontro porque, como escreveu, a “ressurreição é uma ideia justa”.

3. Em 1960, foi eleito o primeiro Presidente católico dos EUA, John Kennedy. Tomou posse em 1961. Foi assassinado em 1963. Era o mais velho de nove irmãos. As grandes causas, as tragédias e os escândalos desta espantosa família católica encheram as bocas do mundo. Morreu, em Agosto, o mais novo, Edward Kennedy.

Alguns sectores da Igreja – dadas as suas posições controversas – procuraram impedir a celebração católica do seu funeral. O cardeal Sean O'Malley justificou-a, lendo uma carta de E. Kennedy ao Papa: “(…) Trabalhei para receber os imigrantes, combater a discriminação e ampliar o acesso aos cuidados médicos e à educação. Procurei sempre ser um católico fiel, Santidade, e embora as minhas debilidades me tenham feito falhar, nunca deixei de crer e respeitar os ensinamentos fundamentais da minha fé”.

Esta carta, à boca da morte, de um político livre no seio da Igreja, é uma conversa para continuar.

Um fim-de-semana com os novos padres do deserto


No deserto sírio, um jesuíta italiano criou uma comunidade num velho mosteiro do século VI. Faz a ponte com o islão, tem monges e monjas e três princípios: vida espiritual, trabalho manual e hospitalidade. Gente de todo o mundo chega para um almoço, uma noite, ou muitas. Mar Musa é um mosteiro vivo. No Público/P2 de hoje, Alexandra Lucas Coelho conta a sua história.

Pela primeira vez desde o séc. XV, uma cidade espanhola tem um feriado para comemorar uma festa muçulmana

É a primeira vez que, desde 1492 e a Reconquista, tal sucede: uma festa muçulmana, o Aid el-Kebir, figurará, em 2010, no calendário dos dias feriados de uma cidade espanhola. Conta o diário El País de sábado que Melilla, um enclave localizado no norte de Marrocos, celebrará, no dia 17 de Novembro do próximo ano, a principal festa muçulmana, o Aid el-Kebir ou Festa do Sacrifício. Também designada por Aid al Adha, a Festa do Sacrifício, que se celebra 70 dias depois do fim do Ramadão, é, para os muçulmanos, ocasião para comemorar a ordem dada por Alá a Abraão para que, em vez de sacrificar o seu filho, matasse um cordeiro.
O feriado foi estabelecido na sequência de um acordo entre a Câmara Municipal e as quatro principais associações muçulmanas de Melilla. É uma decisão que não tem precedentes no mundo não islâmico, disse, ao El País, Abderramán Benyahia, porta-voz da Comissão Islâmica de Melilla.

sábado, 12 de setembro de 2009

Judeus e muçulmanos na imprensa do fim-de-semana

1. “Há judeus na Síria desde Abraão, mas estão quase a acabar. O P2 passou um shabat na última sinagoga aberta, andou pelo bairro de casas abandonadas e bebeu café em casa de Albert, Rachel e Belle, três irmãos que guardam o fim, e convidam todos os judeus portugueses a aparecer”. “Um shabat em Damasco” – reportagem de Alexandra Lucas Coelho, em Damasco, no P2 (ler aqui).

2. “Alá também é deus português” – reportagem de Fernanda Câncio, no DN. No mês do Ramadão, oito anos depois do 11 de Setembro, quatro portugueses que falam da sua fé islâmica e de como a vivem em Portugal (ler aqui).

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

"Comunicação eficaz é entre iguais que acontece"

Enquanto em Fátima se reflectia, nestes dias, nas Jornadas das Comunicações Sociais, se os gabinetes de imprensa são "luxo ou necessidade?", o arcebispo da diocese de Aparecida (Brasil) e actual presidente da CELAM (Conferência do Episcopado Latino-Americano), Raymundo Damasceno, propunha ontem, num colóquio sobre a Igreja e a comunicação, os seguintes pontos programáticos (que ele atribuiu a um jornalista colombiano):
1. Superar a ideia de que os meios de comunicação são, eles próprios, comunicação. Por outras palavras, a construção de canais de televisão, rádios, sites, é excelente, mas se não se tem algo de relevante a dizer, construindo novas e melhores maneiras de o fazer, não se irá muito longe.

2. Parar de pensar que os modernos meios de comunicação são "seculares". Por outras palavras, a TV, a internet, etc, não são de certo modo estranhos à Igreja. São neutros, e tudo depende de como são usados.

3. Compreender que a comunicação e a pregação não são a mesma coisa. A pregação é uma forma de comunicação, mas também tem de haver espaço para fornecer informação básica e para responder às perguntas de uma forma distinta da catequese ou exortação moral.

4. Compreender que cada acto pastoral é uma forma de comunicação. A Igreja está sempre a comunicar algo sobre si mesma ao mundo exterior, mesmo ao nível da forma como as pessoas são tratadas quando têm contacto com ela.

5. Aceitar que uma comunicação eficaz é entre iguais que acontece. Assim como Cristo se humilhou a si mesmo tornando-se um de nós, assim a Igreja não deve adoptar uma atitude de superioridade quando está a procurar comunicar com o mundo.

6. Perceber que a comunicação não é a mesma coisa que RP [Relações Públicas]. Em última análise, a questão não reside em projectar uma melhor imagem da Igreja, mas, antes, em partilhar a vida cristã e ajudar as pessoas a ver as suas vidas e o mundo a partir de um quadro de referência cristão.

Dilemas de Comunicação

"Na arte de comunicar, "precisamos de mediadores profissionais". O presidente da Comissão Episcopal para as Comunicações Sociais da Igreja Católica não se refere à arte da pregação, embora admita que a Igreja Católica tem mensagem e doutrina para transmitir. (...) O debate sobre as relações com os media é essencial para quebrar preconceitos e sintonizar linguagens, estreitando caminhos de compreensão. Não se faz de outra maneira. Prevalece, no entanto, um risco, que pode determinar a imagem das instituições religiosas. Não se trata de conhecer a técnica e os meios para melhor passar a mensagem, numa espécie de proselitismo sofisticado. A sintonia faz-se com relacionamento humano e as cedências são inevitáveis. Na forma e, eventualmente, no conteúdo, assumindo a tensão entre a intervenção institucional e a necessidade de dialogar.(...) Por outro lado, na procura de melhor comunicação, profissionalizando e centralizando serviços, onde cabe a pluralidade? Entre a necessidade de emitir estrategicamente a verdade circunstancial e um discurso exclusivamente monolítico, institucional e doutrinariamente inflexível, vai uma curta distância. Quando se discutem "asfixias" na sociedade portuguesa, ouvem-se na Igreja vozes a defender um certo discurso uniforme, sem dissonâncias, para esconder uma pluralidade que a lógica mediática habilmente transforma em polémicas contradições."

Excerto de Opinião SIC Online que pode ler na íntegra aqui

Dez características dos Gabinetes de Imprensa da Igreja

O padre Federico Lombardi (na foto), porta-voz do Vaticano, descreveu em Fátima o trabalho e a necessidade dos gabinetes de imprensa na Igreja em dez pontos. O texto, proferido em português, está disponível na Ecclesia, mas deixo aqui um resumo.

1. Os Gabinetes de Imprensa (GI), constituídos por crentes e cristãos, são um serviço à Igreja. “São instrumentos úteis para o anúncio do Evangelho na comunicação social, em âmbitos bastantes superiores aos nossos contactos pessoais”.

2. O serviço dos GI insere-se na comunidade que é a Igreja. É encarnado por pessoas concretas que se encarregam de a representar. “Pedem que falemos em nome de alguém e não em nome pessoal”. “Aproximamos a pessoa/instituição que representamos ao mundo da comunicação social”. “A prioridade está em quem servimos”.

3. Os GI são um serviço aos profissionais da comunicação e, por meio deles, ao público. “Somos servidores de colegas servidores”. “Temos de ter uma atitude aberta e positiva, prudente e não ingénua”. “Não podemos partir do pressuposto de que são mal intencionados”, mas “damos a cada um uma ajuda para que dêem passos na direcção certa”. No entanto, “alguns falarão sempre mal da Igreja porque são pagos para isso”, por vezes pelo posicionamento editorial do próprio meio de comunicação. Os profissionais da imprensa devem ser encorajados pelos GI a fazerem o melhor de que são capazes. É importante a disponibilidade do GI, o tratamento equitativo (“dar a todos o mesmo texto ao mesmo tempo; é importante para manter a autoridade do nosso trabalho”). Os GI podem construir uma “comunidade de comunicadores com momentos de festa, convívio e até de oração para os que são crentes”, iniciativas no dia do patrono dos jornalistas e a pretexto da mensagem do Papa para as comunicações sociais.

4. O trabalho dos GI não parte apenas da instituição para os média, mas vai do mundo envolvente para a instituição. São um serviço bi-direccional. Uma “porta aberta de fluxo comunicativo”. Nesta dimensão, os GI fazem revistas de imprensa, monitorização da rede, contactos com responsáveis da comunicação social…

5. Os GI são serviços para uma boa formulação da resposta da Igreja. “Propõem ao bispo/Igreja o momento oportuno para a resposta. Endereçam à autoridade uma sugestão de resposta”.

6. Os GI nunca devem deixar de insistir na linguagem simples. Devem mostrar com simplicidade e clareza o núcleo central da comunicação, através de sínteses, comunicados, frases inspiradoras… “A simplicidade produz credibilidade e não suspeição”. “Se não tiverem respostas seguras, [os jornalistas] tendem a levantar hipóteses e a fazer insinuações”. “É melhor sermos nós a dar a informação do que corrermos atrás da informação incorrecta”.

7. Este serviço tem de ser sempre verdadeiro, mesmo perante perguntas difíceis. A contradição é o mal mais grave. “Numa situação de crise, nada pior do que pensarmos que podemos emendar a situação sem verdade”. É preciso “antecipar o problema, reduzir os riscos e estar preparado para o pior”. “A percepção do público é tão ou mais importante do que a realidade dos factos. Se as pessoas pensam que há crise, há mesmo crise”. “As más notícias têm de ser dadas o mais rápido possível e de uma só vez”. Por vezes é necessário consultar a assessoria jurídica para que o que é dito não implique judicialmente a instituição.

8. Os GI devem servir a seriedade e o aprofundamento da comunicação. A comunicação é cada vez mais rápida e superficial, mas os GI devem oferecer instrumentos para aprofundá-la, seja através de conferências de imprensa, contactos de pessoas competentes, materiais e documentos (mas que não sejam desencorajadores pelo tamanho).

9. Este é um serviço que não se faz isoladamente mas em comunicação com outros. Os GI dinamizam o uso dos meios de comunicação social, encorajam a comunicação social diocesana, lançam novas iniciativas, ajudam os superiores a uma comunicação alargada, dedicam recursos económicos e materiais à formação de operadores.

10. O discurso da comunicação para a comunhão coloca-se a vários níveis, mas a comunicação social é a "principal via para unir todos os dias a comunidade dos fiéis no espaço mais amplo do mundo". O GI é um serviço imprescindível para a comunicação. É um nó central da rede capilarmente difundida pelo mundo.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Gabinetes de imprensa na Igreja Católica e truques tecnológicos

Em Fátima, decorrem desde o início desta tarde as jornadas do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, da Igreja Católica, dedicadas ao tema dos gabinetes de imprensa na Igreja. O padre Jardim Gonçalves, responsável do Departamento de Comunicação Social do patriarcado de Lisboa, afirmou duas coisas que destaco:
1 - a relação dos responsáveis da Igreja Católica com os jornalistas deve ser centrada na relação humana e não em qualquer truque tecnológico;
2 - nesta matéria, andámos para trás nas últimas décadas: houve tempo em que professores de teologia se dedicavam a debater temas de actualidade na praça pública, quando a realidade o exigia.

Em relação ao "truque", tenho por vezes a sensação de que religiosos e jornalistas são muito parecidos: achando que as coisas (meios de comunicação, de um lado, a maneira de anunciar a mensagem religiosa, do outro) mudam quando passamos a usar tecnologia. Não: nem os media são melhores porque mudam grafismos ou cenários, nem as religiões são melhores porque criam um site na internet.
Sobre o que se (des)andou, é pena que este sector, na Igreja Católica e nas outras religiões, continue a ser secundarizado em relação a muitas outras opções. Trata-se de (não) entender o mundo actual.

Entendamo-nos sobre o sacerdócio

No Página 1 da RR, José Tolentino Mendonça escreve sobre o sacerdócio: "Há sem dúvida uma relação com o templo, mas Jesus é maior do que o templo, como a dado momento os Evangelhos lembram. Por isso, quando se fala do sacerdócio no cristianismo é indispensável ter em conta atransformação que Jesus opera. As categorias estritamente religiosas tornaram-se insuficientes. Como explica o jesuíta Paul Valadier 'o cristianismo é a religião da saída da religião'."
Depois do Simpósio do Clero, realizado na semana passada em Fátima, vale a pena prosseguir o debate. O texto completo está aqui.

A fé e a crença

“Há uma oposição capital entre a fé e a crença. O que está mais afastado da fé, no sentido evangélico, é a crença, no sentido banal, que não suporta a critica, enquanto que a fé apenas a pode desejar. […] A palavra de Jesus é, permanentemente, uma crítica da religião. Ele não opõe a verdadeira religião à falsa, Ele habita a tradição judia e é nesta tradição que faz emergir a verdade da verdade, desfazendo esta última de tudo o que a pode ocultar, falsificar ou perverter”. Quem o afirma é Maurice Bellet, sacerdote, etc., numa entrevista que a revista Le Monde des Religions publica no número de Setembro-Outubro e que pode ser lida aqui.