domingo, 10 de maio de 2009

Quando o coração não deve bater a razão

Manuel Vilas Boas escreve hoje no DN e JN:

Ontem de manhã, no Monte Nebo, a 800 metros de altura, recordei-me da emotividade do Papa que foi actor. Nove anos depois e mesmo com os olhos na oliveira que Wojtyla aqui plantou em nome da paz repetiu-se a peça, mas sem alma. Unicamente calorosas as palavras de boas-vindas do ministro dos Franciscanos: o padre galego Jose Rodrigues Carballo, que me tinha avisado da tarefa no avião de Telavive para Amã. Para este seguidor de Assis, que abriu recentemente em Portugal as comemorações dos 800 anos do franciscanismo, a Terra Prometida a Moisés não pode deixar de ser uma oportunidade para todos, sobretudo os que vivem na margem. No momento, até a meteorologia fintou os olhos azuis do Papa alemão. Mas um Jordão enevoado ganha até maior simbolismo nos dias que correm.

Na descida da montanha de Moisés estava outra terra prometida: Medaba, a cidade dos mosaicos e um dos mais avançados postos de cultura e ciência da Jordânia e da região arábica permeabilizada de católicos e ortodoxos de competências ao mais alto nível há mais de um século.
Bento XVI organizou para aqui um discurso arguto: “o saber científico terá de ganhar em espaço de diálogo e compreensão. Doutro modo, abre-se a porta à corrupção da liberdade humana - avisou o papa - e também para a disfiguração da religião pela ignorância, o preconceito, o desprezo e a violência”. Puxando pelos galões de académico, o Papa recorda que “o conhecimento científico requer a luz da sabedoria ética”. Serão os estudantes de Medaba os construtores de uma sociedade mais justa e fraterna sem conflitos étnicos e religiosos? É pela cultura ética que este Papa quer ir.

A mesma tese foi defender Ratzinger junto dos muçulmanos na mesquita de Amã ainda feridos por Ratisbona. Para Bento XVI, o projecto é claro: o coração não poderá substituir sempre a razão. Impõe-se o diálogo como método para que a liberdade se exerça “mão na mão”, sugere Bento XVI, no centro de nova polémica. Desta vez, são os sapatos que tirou, que não tirou à entrada da mesquita do rei Hussein bin Talal. Não tirou. As imagens são claras. Mas quis tirar. Venceu a simpatia do arquitecto que lhe mostrava a originalidade desta obra sumptuosa.
Por fim, foi oportuno e justo o pedido à comunidade internacional para que impeça que o Iraque dizime os cristãos que lá existem. É que eles são filhos também de um Deus único.

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