segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Vaticano diz que falta muito para a integração plena dos integristas

No Público desta segunda-feira, está uma síntese do que se tem passado, nos últimos 10 dias, à volta do levantamento da excomunhão aos quatro bispos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Pode servir de complemento ao texto aqui publicado antes por Eduardo Jorge Madureira. Há também um artigo de John Allen Jr., que vale a pena ler em http://ncrcafe.org/node/2382.

O cardeal Giovanni Battista Re, que assinou o decreto que levantou a excomunhão de quatro bispos integristas, entre os quais Richard Williamson, que nega o Holocausto, diz que “a reconciliação ainda não é total” com a Fraternidade Sacerdotal São Pio X.
Numa entrevista ao jornal La Repubblica, Battista Re afirmou, citado pela AFP: “O percurso até uma reconciliação total exigirá tempo. (…) O levantamento da excomunhão não é um ponto de chegada, mas o início de um caminho. [A Fraternidade] deve ainda mostrar claramente que aceita o Concílio [Vaticano II (1962-65) – nomeadamente na doutrina sobre a liberdade religiosa e o ecumenismo].”
Os esclarecimentos do cardeal não param, no entanto, as ondas de choque e protesto contra a decisão. Há já uma petição a correr (
http://www.petition-vaticanum2.org/), dinamiza da na Alemanha, Suíça e Áustria. Na Suíça, mais de 200 padres e teólogos suíços manifestaram quinta-feira desacordo com a resolução de Bento XVI, que se inscreve numa série de outras decisões “fortemente regressivas”, acusam, citados pela AFP.
O texto foi escrito em forma de carta aberta à Conferência dos Bispos Suíços, que tinham classificado as posições do bispo negacionista como “totalmente inaceitáveis”. É em Êcone (Suíça) que o grupo tem a sua sede. Suíça, França e Brasil são os países onde a Fraternidade reúne mais pessoas. Na carta, padres e teólogos dizem que o levantamento da excomunhão a Williamson é escandaloso e muito problemático para as relações judaico-cristãs.
Também quinta-feira, a presidente do Conselho Central dos Judeus Alemães assegurara que suspenderia, de momento, os contactos oficiais com os bispos católicos. O Grande Rabinato de Israel, que condenou o levantamento da excomunhão, anunciou igual decisão em relação ao Vaticano.
Williamson afirmou, em entrevista a uma televisão sueca, que a Shoah só teria causado uns 200 mil a 300 mil mortos entre os judeus e que estes não morreram nas câmaras de gás. Sexta-feira, numa carta enviada ao Vaticano, o bispo pediu desculpa pelas afirmações, mas não se retractou.
No dia 23 de Janeiro, o Papa anunciou o levantamento da excomunhão a Williamson e aos outros três bispos ordenados pelo arcebispo Marcel Lefebvre em 1998. Justificou a decisão por um acto de “misericórdia paterna”, esperando Bento XVI que a Fraternidade São Pio X desse “passos para a plena comunhão” com a Igreja Católica, reconhecendo a doutrina do Concílio Vaticano II. Ao sagrar bispos sem autorização do Vaticano, Lefebvre colocou-se em excomunhão automática.
Na quarta-feira, o Papa fez uma vigorosa condenação das teses negacionistas e, recordando a sua visita a Auschwitz, há três anos, disse que o Holocausto deveria ser “um alerta contra o esquecimento”. O próprio secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, disse que o Papa ficou “perturbado” com as declarações negacionistas. E o cardeal Walter Kasper, presidente da Comissão para as Relações com o Judaísmo, do Vaticano, afirmou que as palavras do bispo integrista eram “inaceitáveis, obtusas” e que negar o Holocausto é “estúpido”.
O actual líder da Fraternidade, o bispo Bernard Fellay, pediu também perdão ao Papa “e a todos os homens de boa vontade” pelas consequências das afirmações de Williamson. E disse que o bispo negacionista está proibido de tomar posições públicas sobre “assuntos políticos e históricos”.

Emoção e cólera na internet

Voltando à internet: o sítio na internet do jornal francês La Croix define com duas palavras as reacções de blogues e fóruns cristãos na net à decisão de levantar a excomunhão aos quatro bispos integristas: emoção e cólera.
Em França, onde os lefebvrianos têm alguma implantação, o caso tem sido seguido com atenção. E o La Croix mediu o movimento que a palavra “excomunhão” suscitou na internet, no próprio dia 23 de Janeiro, quando a decisão do Papa foi anunciada (ver
http://www.la-croix.com/article/index.jsp?docId=2363477&rubId=1098). No site do jornal, um fórum aberto aos leitores registou 150 comentários nas primeiras 24 horas, levando à criação de um blogue especificamente dedicado ao debate sobre o tema.
Alguns exprimiam a sua satisfação pela decisão do Papa apesar das críticas dos media, resume o jornal. Mas a maioria, incluindo padres, manifestava decepção e cólera. “Esta decisão choca-me e não compreendo as prioridades do Papa. Há tanto a fazer no diálogo entre as religiões, o compromisso com os desfavorecidos, o diálogo com a sociedade”, escrevia um leitor.
Vários colocam a hipótese de abandonar a Igreja, outros sugerem petições a enviar aos bispos e ao Papa, há quem reproduza excertos de cartas enviadas a bispos a pedir declarações públicas. Mas há quem diga que o Papa não pode escolher os católicos por causa das opiniões, sob o risco de restaurar a Inquisição. Há quem pergunte qual é a razão da “obsessão pela reconciliação com os integristas”. E ainda quem avise: “Suscitar um cisma silencioso, para resolver um outro, não é boa ideia…”

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