sábado, 24 de janeiro de 2009

Ética e religião na economia

A actual crise económica e financeira tem motivado muitos comentários a propósito da ausência de valores éticos na economia que foram a causa profunda que levou à actual situação. No DN deste sábado, Anselmo Borges regressa ao tema.


Perante o estrondo da crise financeira, que está a chegar, avassaladora, à economia real, há da parte de muitos um enorme apelo à ética e aos valores na finança, na empresa e na economia em geral.

Há vantagens nisso, como diz Josef Wieland, professor de Ética: os valores éticos trazem enormes bens à empresa, como, por exemplo, a segurança jurídica; “a reputação da empresa aumenta e ela acaba por receber os melhores e mais motivados colaboradores”. É preciso ter em conta que a corrupção vai recuar e “as regras éticas defendem em todo o mundo os empresários da prisão”.

Não é por acaso que são esperados quatro mil participantes no sexto congresso cristão de empresários e gestores, que se realiza em Düsseldorf, Alemanha, de 26 a 28 de Fevereiro próximo, sob o lema Avançar para a Chefia com Valores. Isto não significa de modo nenhum que a ética empresarial seja um exclusivo dos crentes, mas a fé tem de ter influência no mundo dos negócios.

Na Alemanha, 66% dos empresários dizem acreditar pessoalmente em Deus e, segundo impulse, revista para empresários, no seu número de Janeiro, a união de empresários católicos atingiu o número histórico de mais de 1200 membros e, no caso dos empresários protestantes, o número multiplicou-se em poucos anos por dez, sendo agora 600.

Segundo uma sondagem da Forsa, as normas éticas e morais desempenham um grande papel para 50% dos empresários alemães, sendo interessante verificar que essa normas são mais importantes para os empresários protestantes (58%) do que para os católicos (47%). Segundo a mesma sondagem, da fé derivam deveres: responsabilidade pelos trabalhadores (71%), sinceridade, justiça, lealdade (31%), decisões socialmente compatíveis (18%) e há limites morais para o rendimento pessoal: católicos (62%), protestantes (42%), sem confissão religiosa (56%), empresários em geral (52%).

Haverá contradição entre a fé em Deus e a maximização do lucro? Os crentes em geral respondem: sim (28%), não (68%). Os passos da Bíblia mais citados pelos empresários crentes são: “ama o teu próximo como a ti mesmo”, “o Senhor é o meu pastor” e os dez mandamentos.

Segundo o bispo Wolfgang Huber, presidente do Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha, a maximização do lucro e o amor do próximo podem ser compatíveis: “a Igreja não é estranha à realidade”. A responsabilidade económica precisa de ter os pés assentes na terra e a proximidade ao Homem. A presente crise financeira não pôs em causa a economia social de mercado. De qualquer forma, o sistema desequilibrou-se e é preciso corrigi-lo. Quanto à justiça, há um critério importante: “As diferenças na sociedade devem estabelecer-se de tal modo que também as pessoas que se encontram no fundo da escala possam estar convencidas de que o sistema em geral é justo e lhes é favorável também a elas.”

Dos debates tensos de Gerd Kühlhorn com os empresários para impulse, resultaram dez mandamentos para os empresários cristãos, que “talvez sejam um pouco simples, mas certamente mais claros do que todos os fanfarronantes Codes of Conduct”. Aqui ficam:

1. Trata dos negócios de tal modo que a tua empresa tenha um bom lucro. 2. Sê justo com os teus parceiros de negócio. 3. Mostra estima pelos teus colaboradores. 4. Faz negócios prospectivamente e assegura o futuro da tua empresa. 5. Procura parceiros que como tu acreditem em Deus. 6. Cultiva a humildade. 7. Coloca os teus talentos e recursos ao serviço dos outros. 8. Não te percas no trabalho. 9. Reconhece que a tua empresa não te pertence a ti, mas a Deus. 10. Respeita todos os que não partilham a tua fé.

No fundo, como diz o bispo W. Huber, encontramo-nos num “ponto de viragem”. A confiança é “um capital tão importante para a economia como o dinheiro”. Por isso, é preciso que os empresários estabeleçam “um equilíbrio entre a eficiência económica e as consequências sociais do negócio empresarial”.

Afinal, a economia não é fim em si mesma, pois é o Homem que tem de ocupar o centro. Daí, como lembrou Martin Buber, o sucesso não ser “um dos nomes de Deus”. A solidariedade, sim.

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