terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Episódios da crise

Da crónica de Alberto Castro, no Jornal de Notícias de hoje:

1º episódio

"(...) reportagem do encerramento de mais uma fábrica. Trabalhadores em vigília, para evitarem a saída de equipamento. Incidente que se repete e que diz muito sobre os valores morais de alguns patrões. Ouve-se o espanto de uma porta-voz dos trabalhadores: "Não percebemos. A fábrica tem encomendas. Ainda ontem trabalhámos todo o dia. Tem de haver dinheiro para pagar os salários". Não lhe ocorre, não tem de lhe ocorrer, que a razão para a empresa ter encomendas seja, precisamente, o não pagar salários. Como, provavelmente, não pagará aos outros fornecedores. Assim, sem custos, ou com custos muito baixos, consegue as encomendas à custa de outras empresas que, cumprindo a lei, têm encargos muito mais elevados. Distorce-se a concorrência. Quando o mercado é estreito, como hoje em dia, há outras empresas que ficam sem trabalho. E assim se espalha a doença ao resto do tecido produtivo, antes são!"

(...)

2ºepisódio

" (...) envolvendo as expectativas suscitadas pela construção da barragem do Alqueva. Dizia o habitante de uma aldeia vizinha, sentado ao sol, "nada mudou. Continuamos à espera". Continuamos à espera! Das especiarias da Índia, do ouro do Brasil, das remessas dos emigrantes, dos fundos estruturais, do Alqueva. E, agora, do Estado. E, sempre, dos outros. É que nós, verdadeiramente, não podemos fazer nada. Nem termos iniciativa, nem sequer guiar como seres racionais, nem estacionar pensando nos outros, nem evitar deitar lixo para o chão, nem respeitar o património nacional, nem ser solidários com os outros, nem..."

3º episódio

"Outros que, como contava mais uma reportagem, às vezes sofrem de uma doença bem simples: o desamparo da solidão. Idosos, sozinhos, que precisam de uma conversa, de estar com gente. E que, por isso, chamam o INEM, desviando-o da sua missão.
Somemos dois mais dois. O aumento da longevidade fará com que situações como estas se multipliquem. Ao mesmo tempo, aumenta o rol daqueles que recebem subsídio de desemprego ou outro apoio público. Solidariedade com solidariedade se paga. Por que não ocupar uma parte do seu tempo com um "serviço cívico" que não exige outras competências que não carinho e afecto, disponibilidade para ouvir e conversar? Pensando bem sou capaz de estar a ser ingénuo, a pedir o impossível: hoje, esses são atributos difíceis de encontrar..."

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